Compreender a covid-19 em 2022
Temos de ouvir as pessoas e integrar as suas ideias, opiniões, expectativas e medos nas soluções adotadas na saúde e nas restantes áreas sociais, criando bases sólidas de entendimento que nos permitam crescer enquanto sociedade.
Fez agora dois anos que se iniciou a crise da covid-19. Em 31/12/2019, as autoridades chinesas reportaram à Organização Mundial da Saúde a existência de um surto de pneumonia correspondente aos primeiros casos de covid-19, provocados pelo vírus SARS-CoV-2.
Este surto inicial teve um aumento rápido com um pico de infetados em meados de fevereiro de 2019 seguido de um decréscimo acentuado. No início de março, ainda com poucos casos na Europa, a China apresentava uma situação que parecia praticamente controlada.
Todos nos lembramos das imagens que circularam nas redes sociais e que nos fizeram sorrir: a nossa Europa, equipada para a prevenção e tratamento das doenças, não sucumbiria.
Não foi essa a evolução nos meses seguintes. Vimos a dificuldade de reação dos sistemas de saúde e o seu esgotamento no norte de Itália e depois em Espanha. Vimos as filas de mortos em morgues improvisadas. Vimos a inexistência de tratamentos específicos. Tivemos medo, por nós, pelos nossos, por todos, e fechamo-nos em casa até que a tempestade passasse.
Foi este medo que guiou a condução da pandemia.
Dois anos volvidos, a situação mudou. Num esforço enorme de desenvolvimento tecnológico, temos acesso a vacinas e medicamentos eficazes para combater a doença.
No entanto, continuamos a assistir ao realce mediático dos infetados, mostrando quase 200.000 novos casos nas últimas duas semanas, superior ao pico do final de janeiro de 2021, sem que seja tão evidente que na mesma altura tínhamos 6000 internados e 248 mortes por dia, para os atuais 945 internados e 15 mortes, mantendo o medo da tragédia, o medo da doença, o medo da morte.
Ensina-nos Marie Curie que nada na vida é para ser temido, mas sim para ser compreendido. É este medo que tem de dar lugar ao conhecimento.
Com a alta taxa de vacinação, a compreensão que temos da pandemia alterou-se: mais do que contabilizar infetados devemos olhar para os doentes, ou seja, para aqueles que apresentam sintomas, percebendo que podemos perfeitamente ter vírus no nariz e viver com ele, sem risco significativo de doença para nós e para os outros.
Passou a tempestade que nos assustou. A chuva continua a cair, mas temos um guarda-chuva que nos mantém secos. Não vamos conseguir parar a chuva, mas conseguimos lidar com ela e prosseguir as nossas vidas.
E seguir em frente significa confiança da capacidade dos serviços em lidar com a situação. Significa deixar a saúde pública e passar ao indivíduo. Significa deixar a contabilidade dos que testam positivo para a dos que necessitam de cuidados, libertando recursos para todos os outros. Os serviços de saúde podem reabrir a acessibilidade, assim como os restantes serviços públicos, as empresas podem laborar, as escolas podem funcionar, a vida pode retomar a normalidade, ainda que se mantenham por mais algum tempo algumas medidas de proteção individual, como as máscaras.
E tudo isto sem medo porque compreendemos:
Compreendemos que é necessário mudar a definição de caso, relevando a doença sobre a positividade viral;
Compreendemos que os serviços de saúde retomem a normal atividade, minorando o prejuízo existente, ainda que não seja possível corrigir o que ficou mesmo por fazer;
Compreendemos que o vírus não desapareceu e que todos somos responsáveis por diminuir a sua disseminação;
Compreendemos que temos de integrar o conhecimento dos profissionais no terreno e permitir soluções descentralizadas aplicadas à realidade local.
Compreendemos que temos de ouvir as pessoas e integrar as suas ideias, opiniões, expectativas e medos nas soluções adotadas na saúde e nas restantes áreas sociais, criando bases sólidas de entendimento que nos permitam crescer enquanto sociedade;
Compreendemos a necessidade de um discurso claro e transparente, capaz de melhorar a literacia de cada um e instituir ferramentas que ajudem a perceber o que está em jogo e a ultrapassar os problemas concretos;
Compreendemos que a chuva continua a cair, mas que temos um guarda-chuva capaz de nos proteger, sem ter de ficar em casa.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico