Eye Mama: o auto-retrato da maternidade durante a pandemia que nos fechou em casa
Nasceu no Instagram, mas em breve será publicado em livro. Eye Mama é um projecto de fotografia que documenta os dias de confinamento de famílias de todo o mundo. Pela lente de mães fotógrafas.
Depois do nascimento dos dois filhos, hoje com 15 e 7 anos, a fotógrafa e realizadora britânica Karni Arieli deu por si a esticar a mão à procura da máquina fotográfica. Era o caminho para se voltar a sentir ela própria. “Contar uma história e ser autora de uma narrativa é muito poderoso”, justifica. Quando a pandemia da covid-19 chegou e a atirou para o primeiro confinamento, em Abril de 2020, em Bristol, no Reino Unido, onde vive, Karni repetiu os mesmos gestos. “Comecei a fotografar a minha família. Para me lembrar do que era importante, de quem eu era. Lembro-me de estar assustada e preocupada. Com tudo”, recorda em conversa com o PÚBLICO. Desta vez, não era só Karni que se sentia diferente, fora de si, a pandemia mudou o mundo.
De origem israelita, Karni Arieli, 47 anos, e o marido, Saul Freed, animador, têm uma produtora de filmes e videoclipes. De um momento para o outro, a vida dentro de quatro paredes era a história: “Fotografava sobretudo os meus filhos, a minha casa, a luz nas paredes, o jardim, a comida, o meu marido, alguns auto-retratos.” Em resumo, as pequenas coisas que o confinamento “iluminou”. “Como um zoom nos detalhes. Quando se está em casa tanto tempo olhamos atentamente para as coisas no meio do caos”, acrescenta.
Ao fotografar o dia-a-dia da sua família fechada em casa, Karni procurou uma intenção, um propósito. E alargou a narrativa a outras mães. Que história é essa que as mães, fotógrafas, contaram “no caos”, durante os últimos dois anos de pandemia? “Não houve soldados a ir para a guerra nesta pandemia, foram as famílias a fazer o seu melhor em casa, colocando-se a si e aos outros em segurança.” A pandemia, diz, misturou o “tempo histórico” com o “tempo da família”: os homens não foram para a guerra, mas a pandemia confinou todos e as mães ganharam uma voz na história que se contava dentro de portas.
Por isso, a realizadora contactou algumas dezenas de mães fotógrafas para reunir portfólio para um livro. Mas, enquanto trabalhava no financiamento do projecto, abriu a conta no Instagram Eye Mama. Nos primeiros seis meses recebeu mais de 15 mil submissões. A fotógrafa tornou-se curadora de milhares de imagens e de um documento histórico que lhe chegava através das lentes fotográficas de outras mães. “Não seria incrível podermos olhar para trás, para os tempos da pandemia, e ver não só enfermeiros e médicos, as ruas desertas, mas também abrir uma janela para um ponto de vista íntimo de como a humanidade lidou com a pandemia dentro de portas?”
Um holofote sobre a “maternidade real”
Com a pandemia a servir de holofote para a maternidade, Karni viu o movimento visual Eye Mama transformar-se num movimento de empoderamento das mães. Desde logo, tornando a narrativa o mais inclusiva possível. “Abri o projecto a todas as mulheres que se sintam mães. Grávidas, mulheres que sofreram abortos, mães que recorreram a tratamentos de fertilidade, mães adoptivas. Não é sobre um tipo de maternidade, mas sobre muitos”, explica.
Ainda assim, as imagens que foi recebendo mostravam um padrão da vida familiar durante os confinamentos: “Miúdos enfiados em caixas de cartão, bebés a chorar, roupa suja, louça suja, cansaço, luz e sombras. As dificuldades e a beleza”. Para Karni era importante mostrar o lado imperfeito, não polido, tantas vezes ausente, diz, das redes sociais. “Mostra-se muitas vezes a maternidade perfeita. Durante muito tempo não me revi nessas imagens, apesar de também ser feitas por mães. É preciso mostrar e partilhar mais versões da maternidade, dar-lhe visibilidade.”
A página de Instagram, lançada oficialmente em Abril de 2021, continua aberta a submissões. Conta com quase sete mil seguidores e com mais de duas mil fotografias publicadas. Recentemente foi lançado um site, e o livro, o “bebé da pandemia” de Karni, sairá em breve.
Ao documentar a sua própria experiência e a seguir de perto a de outros através da partilha fotográfica, a fotógrafa acabou a olhar para dentro de si própria. E confessa ter encontrado o seu próprio lugar na maternidade. “É um mundo de homens, não é? Eu tentava parecer livre e despreocupada numa indústria muito competitiva. Ninguém quer que a mãe saia mais cedo para ir buscar os filhos, ou fique em casa quando estão doentes, ou fale dos filhos no trabalho. Tive produtores a dizer-me para deixar os meus filhos mais tempo na creche. Fui criticada por não voltar ao trabalho um mês depois de ter sido mãe. Vamo-nos habituando a fingir. Chamava a isso: ‘Pôr o meu chapéu de homem’.”
Hoje, acredita, a maternidade é menos vista como uma incapacidade, mas há ainda um longo caminho a percorrer. “A luta por um horário flexível de trabalho no Reino Unido. Licença de maternidade paga nos EUA. A luta pela igualdade salarial.” Num mundo em pandemia que anseia por um mundo pós-pandemia, Karni Arieli já não quer usar o ‘chapéu de homem’. “Quero usar o meu próprio chapéu louco cheio de penas, com orgulho. As pequenas coisas que são difíceis também podem ser as mais belas e dar-nos mais empatia. Não nos podemos ligar uns aos outros pela perfeição. Só pela imperfeição”.