Elevar o debate sobre Áreas Protegidas
Não havia, não há, nem tem de haver qualquer relação entre dificuldades de crescimento económico e a pertença a uma área protegida. Infelizmente, o debate quantificado sobre áreas protegidas não interessa a quase ninguém
As áreas protegidas, tal como as conhecemos, nascem no século XIX com base na ideia de garantir que as gerações futuras teriam possibilidade de conhecer pedaços de uma natureza intocada pelo homem.
Esta ideia, que desempenhou um papel fundamental na conservação de valores naturais relevantes, incluindo na criação de apoio das pessoas comuns à ideia de conservação da natureza, rapidamente demonstrou as suas limitações: conservar elementos que só existem numa matriz de processos naturais dinâmicos, terá sempre um alcance limitado.
A evolução das ideias foi no sentido, inevitável, de conservar os processos naturais, o que implica gerir com incerteza, num território dinâmico, de modo a assegurar a sua conectividade, incluindo a capacidade de troca genética entre populações geograficamente distantes.
Ou seja, gerir os valores naturais não se esgota na gestão de áreas protegidas, sendo forçoso gerir todo o território tendo em conta os valores naturais.
Numa regressão para mim incompreensível, o Pacto Ecológico Europeu repesca as ideias do século XIX e primeira metade do século XX, assumindo como objectivo ter 30% do território europeu protegido, dos quais um terço, isto é, 10% do território europeu, em regimes de protecção estrita, muito próximos do que habitualmente se designa como reservas integrais.
Parecer-me-ia natural que, perante esta barbaridade sem sustentação técnica, a sociedade se empenhasse em discutir as razões e o esforço necessário para ter 10% do território como reserva integral ou com actividade económica subordinada aos objectivos de conservação, um eufemismo para dizer que é o Estado que diz ao pastor para onde levar o gado.
Não é nada disto que anda a ser discutido, mas sim se ter ou não um director em cada área protegida é fundamental, ou se ter autarcas a decidir sobre onde, quando e com que dinheiro se faz um passadiço é o princípio do fim das áreas protegidas ou um novo princípio para as áreas protegidas.
Se o estado deplorável em que se encontra a gestão do nosso património natural não fosse tão grave, ainda se poderia achar graça ao ridículo desta discussão.
Mas sendo o que é, talvez seja mesmo melhor elevar o nível da discussão e perguntar por que razão não temos informação fiável, pública, facilmente acessível, sobre os resultados de gestão de cada área protegida.
Conseguimos dizer se valeu a pena criar o Parque Nacional da Peneda-Gerês, de Montezinho ou de São Mamede e explicar porquê? Conseguimos avaliar se a existência da Reserva Natural da Malcata é um bem ou um peso para os concelhos em que está?
Há uns anos, era Jorge Sampaio Presidente da República, li num jornal que tinha ido visitar umas áreas protegidas e teria feito o discurso da equiparação das áreas protegidas às reservas de índios, a propósito do Parque do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Como estava mais que habituado a ouvir esse discurso e a responder-lhe com factos, e como praticamente todos os sábados nos cruzávamos no mesmo café, por uma vez na vida fui incomodá-lo num desses sábados, levando-lhe uns mapas com informação sobre a evolução do crescimento económico dos concelhos, cruzada com o mapa das áreas protegidas.
Não havia, não há, nem tem de haver qualquer relação entre dificuldades de crescimento económico e a pertença a uma área protegida.
Agradeceu, naturalmente, e o assunto morreu ali.
Infelizmente, o debate quantificado sobre áreas protegidas não interessa a quase ninguém.
E, não havendo este debate, o que fica são os debates marginais sobre pessoas e preconceitos, o que não nos leva a lado nenhum e, por isso, cometemos os mesmos erros há um ror de anos.
A mim, para quem a conservação da natureza sempre foi o núcleo duro da actividade profissional, o debate sobre conservação da natureza em Portugal lembra-me sempre John Lennon “Words are flowing out like endless rain into a paper cup/ They slither wildly as they slip away across the universe”.