Um olhar sobre a primeira vaga do movimento feminista português
As primeiras feministas actuaram sob a forma do associativismo, filiaram-se em organizações feministas internacionais e procuraram internacionalizar o feminismo português, contactando com as feministas estrangeiras e promovendo eventos, congressos e petições; algumas procuraram apoio junto do republicanismo.
Os estudos feministas são uma temática de investigação de especial relevância para a compreensão das lutas das mulheres e das suas concretizações, mas também para a construção de uma sociedade cada vez mais igualitária. É verdade que a discriminação, a desigualdade de género e a misoginia ainda estão presentes na sociedade portuguesa do século XXI, sendo necessária a continuação da luta pela valorização e dignificação de todos os indivíduos, independentemente do género. Deste modo, o estudo sobre os movimentos feministas são uma das temáticas fulcrais para a elucidação e clarificação do feminismo português, contribuindo para a valorização da mulher e para a constituição de uma sociedade meritocrata onde não há espaço para a discriminação.
O primeiro movimento feminista começou, embora timidamente, nos finais do século XIX e desenvolveu-se essencialmente nos inícios do século XX, quando algumas mulheres, mais intelectuais e instruídas, conscientes da sua situação desfavorecida e subalterna sob o ponto de vista jurídico, económico e político na sociedade portuguesa procuraram combater a sua posição de inferioridade e lutar pela emancipação, valorização, reconhecimento e dignificação da mulher.
As primeiras feministas actuaram sob a forma do associativismo, filiaram-se em organizações feministas internacionais e procuraram internacionalizar o feminismo português, contactando com as feministas estrangeiras e promovendo eventos, congressos e petições; algumas procuraram apoio junto do republicanismo.
Porém, destacam-se igualmente por utilizarem a imprensa como importante instrumento de difusão da voz feminina. Neste contexto, nos finais do século XIX e inícios do século XX, a imprensa feminina e feminista desenvolveu-se significativamente, com a criação de vários jornais criados e dirigidos por mulheres e destinados ao público feminino onde publicavam artigos sobre a condição feminina, artigos de reivindicação, excertos de criações femininas, como poesia, e ainda biografias de mulheres, visando o reconhecimento e a valorização intelectual e cultural das mulheres. Destaque-se a título de exemplo as revistas Sociedade Futura (1902-1904), A mulher e a Criança (1909-1911), A Mulher Portuguesa (1912-1913) e A Semeadora (1915-1918). Assim, a imprensa tornou-se um importante campo de actuação das feministas e, nas palavras de Isabel Lousada, foi o “amplificador da voz feminina’”.
Das principais reivindicações feministas pode-se salientar a educação da mulher considerada crucial à emancipação, esta reivindicação esteve presente nas diversas formas de actuação feministas ao longo do movimento, a alteração no código jurídico e a lei do divórcio, crucial para a libertação da mulher da superioridade masculina, o sufrágio feminino e o direito ao trabalho profissional e respectivo salário. Todavia, o sufrágio foi bastante fracturante no movimento feminista, pois nem todas as feministas defendiam o sufrágio feminino, destacando-se essencialmente Ana de Castro Osório e Carolina Beatriz Ângelo na luta pelo voto feminino.
As feministas que integraram o feminismo português constituíam nomeadamente uma elite de escritoras, médicas, farmacêuticas, professoras, educadoras e jornalistas. Deste leque de intrépidas mulheres, podem destacar-se: Ana de Castro Osório, escritora, editora, pedagoga, republicana e feminista, sendo uma das figuras que mais se destacou do movimento feminista de primeira vaga. Publicou o livro Às Mulheres Portuguesas, uma importante obra que se debruça sobre o feminismo português, criou o Grupo Português de Estudos Feministas (1907), a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1908), colaborou em vários periódicos, entre eles, Alma Feminina, A Mulher e a Criança, A Mulher Portuguesa e A Madrugada, proferiu ainda várias conferências e participou em vários comícios. Foi uma das principais reivindicadoras pelo sufrágio feminino e pela lei do divórcio, tendo sido consultado por Afonso Costa quando este a concretizou, em 3 de Novembro de 1911; Maria Olga de Moraes Sarmento da Silveira, feminista monárquica, escreveu vários livros sobre mulheres, entre eles, Mulheres Ilustres: A marquesa de Alorna. Foi presidente da Secção Feminista da Liga Portuguesa da Paz e protagonizou várias conferências no estrangeiro e em Portugal sobre temáticas feministas, entre as quais, a título de exemplo, a conferência sobre o problema feminista na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 18 de Maio de 1906. Virgínia Sofia Guerra Quaresma, feminista e jornalista, sendo a primeira mulher a exercer a profissão de jornalista em Portugal e escreveu vários artigos feministas. Estas foram alguns dos rostos que possibilitaram várias concretizações na luta pelas mulheres, iniciando, assim, o caminho da emancipação feminina e preludiando o da igualdade de género.
Tendo como objectivo contribuir para a valorização, reconhecimento e dignificação da mulher publicaram vários artigos sobre a condição feminina, denunciando a desigualdade existente e reivindicando pelos seus direitos. Com efeito, a imprensa feminista foi um instrumento de especial importância na luta pela emancipação feminina e revela-se uma fonte preponderante para compreender as reivindicações feministas e, deste modo, conhecer o feminismo português.