Maturar peixe em casa? Alexandre Silva explica como
O chef dos restaurantes Loco (com uma estrela Michelin) e Fogo, em Lisboa, ensina uma técnica importante para garantir ao bom peixe o tratamento que lhe é devido.
Na família dos mitos sobre peixe, assumamos dois como ponto de partida. Primeiro, a ideia de que todo o peixe que consumimos é fresco. Segundo, a máxima de “quanto mais fresco o peixe chegar à grelha, melhor”. Em rigor, e com algumas excepções de espécies capturadas pela pequena frota artesanal, muitas das variedades que consumimos chegam-nos ao prato com dois, três, quatro, cinco ou mais dias após a captura. No caso das afamadas garoupas – provenientes do Norte de África –, peixes com uma semana é o habitual. Se o peixe for bem tratado no frio, não há problema. De resto, vamos já directos ao segundo ponto, porque a estrutura muscular do peixe, como a da carne, deve descansar/maturar antes de ser comida, em particular quando estamos perante peixes de maior dimensão.
Tudo isto é fácil de perceber porque sabemos que a textura de um robalo de grandes dimensões é bem mais rija do que a de um robalo médio (e se os peixes acabaram de sair do mar, pior). A forma de dar a volta ao assunto, como o chef Alexandre Silva faz no restaurante Fogo, é maturar o peixe em câmaras de frio desenhadas para o efeito. Isto é, câmaras com controlo de temperatura e humidade. Hoje temos câmaras de frio, em condições de higiene e segurança perfeitas, mas, se virmos bem, esta técnica de maturação segue as tradicionais técnicas dos pescadores quando arrepiavam peixe com sal. Como se sabe, na hora de comer é muito mais saboroso.
De maneira que se Alexandre Silva chega da lota noite dentro, os peixes serão amanhados com rigor no dia seguinte (não pode ficar um vestígio que seja de sangue) e colocados nas câmaras de cura. Quanto tempo? “Isto depende da espécie e do tamanho, mas quatro a cinco dias”, recomenda o chef.
Este processo tem como finalidade explorar ao máximo a textura muscular no peixe e, claro, o sabor, mas, tratando-se de um restaurante que funciona com brasas de lenhas seleccionadas e com uma técnica de grelha japonesa que consiste em espetar agulhas longas no peixe e levá-lo à fonte de calor sem que o mesmo toque noutra qualquer superfície, a técnica da maturação vai, no final, oferecer aos clientes uma pele quase tão crocante como a de um leitão à moda da Bairrada. E, já sabemos, a pele é rica de sabor.
Caso o leitor fique a pensar que isto só é possível num restaurante, deixamos algumas notas para que cada um possa, em casa, tentar a sua sorte.
Se o ideal é ter uma área de frio dedicada ao peixe, na ausência desta pode colocar-se na base do frigorífico um tabuleiro com sal (controla a humidade) e, numa grelha superior, o peixe imaculadamente limpo de sangue (fundamental), inteiro, escalado ou em cortes.
Decorridos os tais quatro ou cinco dias, consoante o tamanho das peças, o peixe está pronto a cozinhar.
Não é preciso agradecer ao Alexandre Silva, que gosta de espalhar as virtudes da trindade da maturação do peixe: faz bem ao sabor, faz bem à textura e faz bem à pele. No fundo, consola-nos.