Truques para melhor tratar o bacalhau

Não queremos impor regras a ninguém, mas gostaríamos de lançar um desafio: da próxima vez que prepararem bacalhau, confitem-no em azeite. Depois falamos.

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Sergio Azenha
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Os portugueses têm critério na compra e preparação de diferentes produtos alimentares, mas no que diz respeito ao bacalhau, em matéria de selecção e confecção, dá ideia de que bacalhau é bacalhau – compra-se o mais barato e não se fala mais no assunto. Verdade que os industriais, vergados às leis da distribuição moderna, nem sempre podem fazer muito em matéria de diferenciação da oferta e educação dos consumidores, mas, como sociedade, já temos muitos séculos de convívio com o bacalhau para – pelo menos uma vez por ano – mostrar curiosidade e sentido crítico. Portanto, antes de dissertarmos sobre as técnicas ideais de preparação do peixe, vejamos com funciona a indústria. Cá e nos países de exportação.

Após séculos de captura desenfreada em diferentes mares do Atlântico Norte, países como a Noruega, a Islândia e o Canadá injectaram dinheiro e ciência na recuperação, preservação e gestão sustentada dos stocks. Como estes recursos são importantes para as economias locais, os governos determinam quotas anuais que garantem que aquilo que se tira do mar não põe em causa a regeneração da espécie. E é por isso que os preços do bacalhau oscilam, em função da lei da procura e da oferta.

Por outro lado, em algumas cadeias de distribuição em Portugal vende-se bacalhau com o símbolo azul do MSY (Maximum Sustainable Yeld), que podemos traduzir por Rendimento Máximo Sustentável. Apesar de haver algumas críticas a este conceito, a verdade é que ele se rege por um conjunto de princípios rígidos e auditados por empresas externas.

Independentemente de qualquer região do Atlântico Norte dar bons exemplares de Gadus morhua, quando as empresas querem peixes de grandes dimensões e gordos viram-se para a Islândia. Porquê? Porque a abundância de alimento à volta da ilha faz com que os cardumes não tenham de migrar. Vivendo tranquilamente por ali, estão sempre mais gordinhos. E, vamo-nos repetir, gordura é sabor.

É entre Fevereiro e Março que se apanham os melhores exemplares de bacalhau nas baías islandesas, e a curta distância da costa. Tendo em conta que é fundamental vender um peixe imaculado, as fábricas que têm frotas próprias determinam que o tempo entre a captura e a chegada à fábrica deve ser o menor possível. De resto, já estivemos a bordo de barcos que mal recebem o peixe a bordo – capturados à linha ou nas redes de emalhar – começam logo a preparar o peixe, sangrando-o de imediato e colocando-o em tinas com poucos exemplares. Este método impede que eventuais hemorragias venham a manchar o músculo do peixe. Depois, uma vez em terra, os peixes são imediatamente escalados por máquinas, cobertos de sal e enviados para câmaras frigoríficas. E por aqui ficam cerca de quatro semanas antes de viajarem para Portugal, onde cada empresa dará o tratamento que entender aos peixes.

Conselhos práticos para o bacalhau brilhar à mesa

PREPARAÇÃO

A demolha

A maioria dos portugueses ainda gosta de demolhar o bacalhau que vai consumir no Natal – um ritual muito nosso e que não devemos perder. Contudo, esta operação pode, muitas vezes, destruir todo o trabalho que foi feito desde a origem. Assim, vamos aos conselhos.

Demolhar ou hidratar

Em primeiro lugar, é preciso termos em conta que esta operação não consiste apenas em retirar o sal do bacalhau. “Estou mais preocupado em hidratar o peixe do que outra coisa qualquer. Da hidratação correcta depende o sabor que sentiremos na hora de nos sentarmos à mesa”, aponta o chef Diogo Rocha, embaixador da Lugrade. “Já agora, convém que os consumidores percebam que a hidratação faz crescer o peso do bacalhau em 30 por cento. Belo negócio, não?”

O frio

O processo de demolha deve ser feito no frigorífico. Demolhar/hidratar bacalhau à temperatura ambiente (ainda por cima quando o Verão teima em passar cá o Natal) é meio caminho para termos postas com cheiro desagradável. O cheiro a bacalhau – como o cheiro a redenho que muita gente acha virtuoso nos queijos serra da Estrela – é uma daquelas tradições que devem ficar nos livros. Se uma posta de bacalhau tiver aromas intensos é porque alguma coisa correu mal.

O tempo

Claro que as postas altas deverão ter mais tempo de demolha. Quanto? Pois, essa é a questão. Grosso modo, depende de quanto tempo esteve o peixe em sal. Seis, nove ou 12 meses, esse tempo é determinante. A Lugrade desenvolveu há uns anos um pequeno “ioiô” que, inserido no recipiente onde está o bacalhau, regista o teor de sal do peixe. Melhor, o aparelho está preparado para garantir três níveis de salinidade. Só temos de escolher qual queremos. Na ausência do “ioiô”, Diogo Rocha é pragmático: “Tira-se um pedaço do peixe e prova-se. Se estiver muito salgado a nossa boca dá logo por isso.”

O bacalhau pronto a cozer e os mitos

Hoje, quem quiser prescindir desta trabalheira toda e não correr riscos com sal a menos ou sal a mais tem à disposição bacalhau ultracongelado e previamente demolhado, a partir da cura tradicional portuguesa. Há ainda quem ache que, neste conceito, há gato escondido com rabo de fora, mas é puro engano. Quem desenvolveu este conceito foi a Riberalves. E, no caso da maior empresa de bacalhau do país, o bacalhau pronto a comer já ultrapassou em vendas o tradicional bacalhau salgado seco. Quando se prova este bacalhau não há qualquer diferença em relação ao outro demolhado correctamente em casa. E isto porque o bacalhau foi demolhado após ter passado pela cura tradicional portuguesa – demolhado e ultracongelado, para preservar o sabor e a textura e evitar aromas desagradáveis.

CONFECÇÃO

Cozido ou confitado?

Quanto à confecção, há muito a mudar nos lares portugueses. “Eu ainda nem era chef e já me parecia que havia qualquer coisa de errado quando se cozia bacalhau em água a ferver numa panela com batatas e couves”, diz Vítor Sobral, o primeiro cozinheiro a chamar a atenção para a técnica correcta de preparar o peixe: confitá-lo em azeite.

Sendo o peixe composto por músculo, água e gordura, colocá-lo num tacho com água a ferver é deixar sair para a água o famoso colagénio que gostamos de sentir e ver a brilhar entre as lascas do bacalhau. Como as postas ficam fibrosas e secas, não admira que haja quem diga que não gosta de bacalhau.

A forma correcta é colocar as postas num recipiente de ir ao forno, verter uma quantidade de azeite que possa ocupar um quarto da altura das mesmas, tapar o recipiente e levar ao forno a 150 graus centígrados, durante 20 minutos. Desligar o forno e deixar o peixe descansar cinco minutos. Como há fornos e fornos, o truque para sabermos que o processo está no bom caminho é vermos quando as lascas começam a separar-se. Nessa altura está no ponto.

Se se quiser sentir o sabor primário do bacalhau, não se deverá acrescentar tempero algum para ir ao forno. Mas também não vem mal ao mundo se se meter uns dentes de alho ou umas aromáticas a gosto.

Mas, se se der o caso de alguém pretender continuar a cozer o bacalhau em água, há uma solução menos violenta para o peixe. Coloque num tacho água, azeite, alho, grãos de pimenta preta, umas folhas de alho francês e outros condimentos que aprecie. Quando a água levantar fervura, desligue o lume, coloque as postas de bacalhau e deixe-as estar durante sete minutos e retire-as. Mas só sete minutos.

Dica final

O azeite que sobra na travessa onde o bacalhau confitou não é para deitar fora. Pode, só com um batedor de varas, criar uma emulsão para ser temperada com algo que aprecie (vinagre, mostarda e por aí fora), ou pode, num copo misturador ligar o azeite com uma erva previamente escaldada (coentros, salsa e assim). Para as crianças, é um truque infalível.

QUE VINHO?

É a eterna zaragata. O bacalhau pede branco ou tinto? E de que bacalhau falamos? É que um bacalhau confitado não é a mesma coisa que esse finório bacalhau à conde da Guarda. Por outro lado, a mudança do perfil dos vinhos brancos é tal que tudo isso fica mais baralhado.

Ainda assim, tendo sempre em conta o conceito do equilíbrio, podemos dizer que para um bacalhau confitado mas acompanhado com couves variadas e ovos (os ovos são um pequeno problema, mas misturados com o peixe e as couves toleram melhor o vinho), um tinto não muito extraído, com taninos moderados e à volta dos 17 graus funciona bem.

Se estivermos perante bacalhau confitado e acompanhado só com batatas e algum grão-de-bico, neste caso um branco de encruzado, do Dão, de preferência com mais de três anos de vida, é uma solução. E quem diz um encruzado diz um antão vaz alentejano.

Imaginando agora que a ideia é fazer uns bolinhos de bacalhau no dia seguinte: nesse caso, um alvarinho é perfeito.

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