Para esclarecer de vez o que é a formação contínua de professores
Em parte, serve este texto para responder ao artigo de Filipe do Paulo, que questiona as minhas propostas sobre formação contínua de professores, alegando que ordens e sindicatos “têm de cumprir todos os requisitos científico-pedagógicos exigidos às restantes entidades.” Estamos certamente a falar de conceitos diferentes.
Ordens, sindicatos, empresas de formação, editoras, Centros de Formação das Associações de Escolas, etc. cumprem os requisitos do Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC), mas é aqui que nos separamos logo. Este Conselho não faz nenhum controlo de qualidade, porque não tem nem competências para tal nem os recursos humanos necessários. Nunca existiu para isso. Trata-se simplesmente de um órgão para validação de formação contínua, que deve respeitar as diferentes modalidades aprovadas para o país. É, pois, um órgão burocrático que verifica as condições de candidatura de formações e formadores. É um processo relativamente simples, sem a complexidade de outros órgãos que fazem acreditação/avaliação de cursos (como a A3ES) ou a avaliação da investigação (como a FCT). Querer fazer crer que as acções do CCPFC são suficientes para autorizar a infinitude de formações pretensamente contínuas que existem hoje em Portugal é uma falácia de pensamento.
É natural que ordens, sindicatos, centros de formação etc. rejeitem a tese que defendi, pois têm sabido aproveitar o estado legal existente para criar um verdadeiro comércio de formação, à margem da natureza estatutária de cada um. Repito: um sindicato devia servir para sindicar, uma ordem para regular uma profissão, uma editora para editar, etc. Mas todos acrescentaram ao seu perfil jurídico a formação contínua de professores, defendendo-se com a tese de que não pode haver monopólio dessa formação e todos têm o direito a oferecer os cursos que quiserem desde que validados pelo CCPFC. Não podíamos viver num sistema mais distorcido e afastado das melhores práticas internacionais e, sobretudo, que é o que mais me preocupa, afastado do que deve ser a verdadeira formação contínua.
Não concebo a formação contínua de professores longe da investigação. O mesmo é válido para qualquer área do conhecimento. Como é que podemos formar melhor um profissional sem que antes tenhamos investigado e reflectido criticamente sobre a natureza e as condições de realização da sua profissão? Ora, esta condição fundamental só pode funcionar num sistema em que ensino e investigação estão de mãos dadas e isso só acontece no Ensino Superior. Ordens, sindicatos, empresas de formação, editoras, Centros de Formação das Associações de Escolas, etc. não fazem investigação, logo não deviam fingir que dão formação contínua. O conhecimento que transmitem nas suas formações é o que vem, precisamente, das universidades e politécnicos, logo contentam-se e fazem negócio com essa intermediação. A reflexão crítica e a disseminação do conhecimento através de publicações científicas que vemos em muitas dessas formações é quase inexistente, porque o que interessa é a simples acumulação de horas de formação. Poucos se interessam por adquirir conhecimento novo, ou melhor, muitos já se conformaram com a situação e inscrevem-se nessas formações apenas por obrigação de acumular horas.
Como é que se resolve a actual situação? É preciso coragem política – não sei se alguém a tem em Portugal – para investir. Nos últimos anos, têm sido investidos milhões de euros, via Fundo Social e Europeu sobretudo, na formação contínua, mas não conseguimos ver os resultados desse investimento, porque não existe nenhuma estratégia nacional concertada para esse objectivo nem sentimos que a maior parte dos professores-formandos, que pagam a sua própria formação, concluam que melhoraram os seus conhecimentos e competências de forma clara.
Para completar as propostas que já fiz, não bastará concentrar a formação contínua no Ensino Superior, para garantir que ensino e investigação possam estar na base de todas as formações. Aqui, um professor-investigador é apoiado financeiramente quando quer apostar na sua formação permanente, ou participando numa conferência internacional (a sua unidade de I&D, financiada pela FCT, tem meios para suportar parte das despesas para missões no estrangeiro) ou editando uma revista científica. São apenas dois exemplos, entre muitos, de disseminação do conhecimento para os quais há financiamento público, porque um professor tem de evoluir e essa evolução tem um preço. Quem emprega esse professor, só tem a ganhar se contribuir financeiramente para essa evolução.
Acrescentaria, do mesmo modo, que falta criar condições financeiras que permitam que o Ministério da Educação possa também apostar nos seus profissionais: entregar aos seus profissionais subsídios/bolsas de formação contínua, em cada ciclo de 4 anos (para respeitar o ciclo existente), o que permitiria que cada professor pudesse escolher a melhor formação disponível para a sua área, em Portugal ou no estrangeiro (sem ignorar, por exemplo, os excelentes cursos livres de actualização de conhecimentos científicos que existem hoje na modalidade de e-Learning oferecidos pelas melhores universidades do mundo). Mais do que contabilizar horas de formação, o sistema implementado devia ser capaz de avaliar a qualidade da formação.
Se não quisermos ir por aqui, podemos esperar sentados por uma real formação contínua de professores, deixando muito contentes ordens, sindicatos, editoras, empresas de formação, etc., que vão certamente insistir em colocar-nos num patamar formativo inconsequente – exactamente aquele tipo de formação que com a qual ou sem a qual ficamos tal e qual.