Celebrar não basta. Queremos um Douro de futuro
O desenvolvimento regional é um desígnio sempre inacabado e há novos reptos a exigir respostas. Nos últimos 20 anos, o Douro perdeu mais de 30 mil habitantes, evidenciando uma hemorragia populacional que ensombra a sua sustentabilidade. Como região agrícola que é, enfrenta ainda, no presente e no futuro, as sérias ameaças motivadas pelas alterações climáticas.
O Alto Douro Vinhateiro é Património Mundial há 20 anos! A conquista do importante reconhecimento internacional da UNESCO sobre o singular valor deste património cultural, “evolutivo e vivo” – moldado por uma viticultura heroica, de montanha, e o espírito de sacrifício que Miguel Torga fixou literariamente – merece ser lembrada, assinalada, celebrada. Tanto quanto as transformações muito positivas que o Douro testemunhou nas duas últimas décadas, e que confirmam a telúrica força humana deste território e algumas opções justas de desenvolvimento regional.
Existem motivos de sobra para celebrar o Douro Vinhateiro, o poderoso selo da UNESCO e a evolução social, económica e cultural deste território de geografia e espírito nortenho. O efeito do assombro da paisagem do Alto Douro Vinhateiro, que explica as inesgotáveis produções fotográficas desde Domingos Alvão, não só persiste, como beneficia de aspetos de qualificação importantes. Quem não se recorda dos “pontos negros” da paisagem formados por depósitos de sucata ou de resíduos de construção, entretanto erradicados? E não evidenciam, hoje, as cidades, vilas e quintas de produção vitícola da região preocupações patrimoniais e de arquitetura muito superiores?
Por outro lado, a classificação do “Património Mundial” ajudou a projetar o “reino maravilhoso” na cena internacional, criando melhores oportunidades de vida, mas responsabilizando-nos também, mais e melhor, na salvaguarda deste bem patrimonial, assim como na sua valorização cultural, económica e turística. A CCDR-Norte assume aqui especiais responsabilidades, ao lado de outros poderes públicos. Dispomos hoje de uma intervenção mais segura, próxima e moderna na gestão do território, mas também mais estratégica na gestão de financiamentos comunitários.
Finalmente, o Douro mudou. Não é o mesmo de há 20 anos, e regra geral mudou para melhor. Há 20 anos, as taxas de abandono escolar aqui eram de 17% no 2.º ciclo e de 25% no 3.º ciclo. Hoje, são marginais. A riqueza média per capita era de 73% da riqueza produzida no Norte, sendo atualmente superior a 85%. No turismo, o Douro afirmou-se como um destino de excelência, mais do que duplicando o número de dormidas e, sobretudo, incrementando o seu valor. Os seus vinhos ganharam prestígio internacional e melhores níveis de rendimento, tornando menos injusta a difícil atividade agrícola. Nos serviços culturais, criaram-se casas prestigiantes como o policêntrico Museu do Douro e o também duriense Museu do Côa…
Mas celebrar não basta. O desenvolvimento regional é um desígnio sempre inacabado e há novos reptos a exigir respostas. Nos últimos 20 anos, o Douro perdeu mais de 30 mil habitantes, evidenciando uma hemorragia populacional que ensombra a sua sustentabilidade. A emigração sempre existiu por estas paragens, mas os seus efeitos eram mitigados por um saldo natural positivo. Como região agrícola que é, enfrenta ainda, no presente e no futuro, as sérias ameaças motivadas pelas alterações climáticas. Realidade que exige medidas de adaptação. Por isso, as comemorações destes 20 anos – que merecem “alto patrocínio” do Senhor Presidente da República – serão, felizmente, mais do que uma evocação. Serão um momento de reflexão, de debate, de prospetiva. Como em tudo na vida, não basta puxar os galões do passado. É necessário antecipar e construir o Douro do futuro. Um Douro humano, inovador, sustentável.
O “Prémio de Arquitetura do Douro” e o novo prémio “Vinha Douro”, instituídos pela CCDR-Norte, e o ciclo de conferências que iremos promover em 2022, em parceria com as instituições parceiras destas comemorações, visam esse espaço de pensamento e diálogo tão úteis.
Finalmente, esta celebração especial não procura qualquer legitimação ou vaidade institucional. Por isso, quisemos eleger no centro da sua programação o território e suas as pessoas. Devolver a conquista do “Douro Património Mundial” às populações e olhar o futuro do território são as únicas formas de tornar relevante e oportuna esta iniciativa.
Na produção da ópera comunitária Mátria, criada a partir de textos de Miguel Torga, e que soube juntar numa orquestra e num coro cidadãos de várias gerações e geografias durienses, encontramos o espírito desse território humano e da força de uma participação coletiva. Tal como na campanha de marketing territorial que, em vez de paisagens, fará de heróis anónimos destes 20 anos os seus justos protagonistas.
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico