As vacinas são do verdadeiro interesse das crianças?
A mim, o que me interessa saber não é só se estas vacinas devem ou não ser tomadas pelas crianças, para mim o que importa neste caso — como em todos os outros que se referem às crianças — é o princípio.
Ana,
Não posso estar mais grata às vacinas contra a covid-19 que pouparam milhares de internamentos e mortes. Dito isto, não sei se o que foi melhor para os adultos será o melhor para os mais novos, mas hoje a minha birra é, sobretudo, contra a forma como o processo de decisão tem decorrido.
Fico com a ideia de que nos tratam como se fossemos crianças tontas, e às crianças como “objectos” destinadas a servir interesses alheios. Ao fazê-lo semeiam a desconfiança de que sempre é a política que “manda nisto tudo”, e que a ciência é só chamada à conversa quando dá jeito, reforçando as teorias da conspiração e, claro, os negacionistas.
Repara, a Governo encomenda vacinas. Argumenta que é só porque sim, caso se entenda que não são para usar, não se usam! O Presidente da República vai dizendo que lhe parecia bom que, já que cá estão, fossem usadas.
A Direcção-Geral da Saúde garante que o assunto vai ser estudado e nomeia uma equipa de pediatras e especialistas em saúde pública para aprofundar o que diz a ciência. Os peritos, note-se, são uma escolha sua. Presumimos que foram buscar gente capaz.
Os peritos tomam uma decisão, neste caso de que só devemos vacinar as crianças com comorbilidades e avisam que, como a sua opinião vai contra a opinião dominante, é muito provável que seja atirada para o caixote.
Porque, afinal, há uma comissão acima a quem cabe decidir — Ana, a impressão que fica é que há sempre uma comissão que tem mais poderes até que a resposta seja a que se espera.
Segue-se um longo período em que se está a “equacionar”, “aprofundar”, “confrontar estudos” e, claro, dizer que “lá fora já se faz”, e o secretário de Estado da Saúde afirma que está tudo a postos... Se receber luz verde.
Os dias passam e o espaço deixado livre abre uma enorme clareira a que pediatras contradigam pediatras, técnicos contestem técnicos, num exercício que parece mais baralhar do que esclarecer.
No momento em que te escrevo ainda não se conhece o veredicto final, mas vamos a apostas? O ministro da Educação veio agora mesmo sugerir prazos – até podemos aproveitar, diz ele, “esta quadra natalícia”.
Sabes o que me lembra? Aquelas pessoas que garantem que não se querem divorciar, mas que pedem ao outro “um tempo para pensar”.
Enquanto pensam, vão comprando as máquinas e um trem de cozinha para montar casa com a amante. Mas, entretanto, aceitam marcar uma ida ao terapeuta de casal, e pedem conselhos aos amigos, para dar a ideia (se calhar até a si próprios) de que, de facto, a decisão estava em aberto. Quando não estava.
E a mim, o que me interessa saber não é só se estas vacinas devem ou não ser tomadas pelas crianças, para mim o que importa neste caso — como em todos os outros que se referem às crianças — é o princípio. E o princípio é se é, ou não, no seu verdadeiro interesse.
Querida Mãe,
Estava a escrever-lhe a mesma birra! Nesta estamos juntas!
Subscrevo tudo. É surreal. Tinha começado a argumentar por que é que me parece que as crianças dos 5 aos 11 anos não devem ser vacinadas, excepto em casos específicos, mas depois de ler a sua carta parei. Esta birra não é sobre a minha opinião, é sobre o facto de se prepararem para ignorar o parecer de especialistas. Mais uma vez.
Posso, no entanto, pronunciar-me sobre uma questão não-médica: o argumento que defende que as crianças devem ser vacinadas para poderem voltar à vida “normal”, e não voltarem a sofrer as consequências (sérias) para a sua saúde mental e progresso escolar que isolamentos, confinamentos, e coisas que tais provocaram.
Já caímos nesta distorção uma vez quando se espalharam cartazes com um “Vem vacinar-te para poderes ir a concertos”. Não é só uma propaganda leviana para um assunto tão sério, como é mentira, como milhares de portugueses vacinados e em isolamento podem comprovar.
Por isso, por favor:
- Cientistas: obrigada pelas vacinas que tornam este vírus mais gerível e menos mortal.
- Políticos: deixem de fazer política à custa da nossa saúde física e mental.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.