Como tornar a docência (mais) atrativa?
A generalidade dos professores do ensino público não se move por dinheiro. Move-se pelos princípios da missão e por um emprego estável e respeitável.
Não, não é com ordenados substancialmente elevados. Creio que a generalidade dos professores do ensino público não superior, entre os quais me conto, não se move por dinheiro. Move-se pelos princípios – a abnegação, a empatia e o amor ao saber – por trás da bela missão que abraçou, a de guardiões da civilização e do futuro. Move-se também por um emprego estável e respeitável.
Muito mudou desde os tempos em que fui aluno nos ensinos básico e secundário. A educação especial, por exemplo, a filosofia e o esforço de inclusão de todas as fascinantes variantes de ser humano foi um avanço que ainda hoje puxa uma lágrima aos meus olhos piegas.
Também mudaram o contexto social e tecnológico, os programas curriculares, a atitude dos encarregados de educação face às instituições e, naturalmente, a forma de os alunos viverem a escola no geral e as aulas em particular.
Quanto aos professores, adultos inteligentes com uma “quilometragem” crescente, mantiveram compreensivelmente uma personalidade moldada nos anos 1980 ou 1990, a qual tem sido pressionada e testada com as recorrentes alterações das políticas educacionais ao nível da organização (labiríntica) dos currículos, da estrutura (desinteressante) da carreira e das exigências profissionais (sobrecarga de trabalho burocrático), e que, a meu ver, não estão em sintonia com a evolução da sociedade.
Não considero o mundo de hoje notoriamente mais complexo que o de há 30 ou 40 anos, é um mundo… diferente. No lugar de nos lamuriarmos devemos refletir e identificar os desafios atuais e, sobretudo, as melhores fórmulas para os abordar. Depois, arregaçar as mangas e deitar mãos à obra.
Um dos aspetos cruciais para reforçar a respeitabilidade da docência, tornando-a mais moderna e apelativa para os jovens universitários, é o de uma carreira recompensadora. Uma carreira com um sistema de avaliação justo e transparente, que propicie a colaboração, o empenho e a dignidade profissionais; uma carreira com escalões que se diferenciem quer na remuneração quer na natureza e horário de trabalho (menos horas letivas, para se exercer a função de coordenador, supervisor, formador, investigador ou consultor da direção, entre outras); com autogestão da formação contínua (liberta da “caça aos créditos"); uma profissão enquadrada por estatutos e uma organização escolar e curricular pensados num horizonte de pelo menos dez anos, imune à mudança de ministro ou de “cor” partidária no governo. Uma carreira com visibilidade e prestígio públicos reforçados, associada a um ensino criativo mas exigente, a instalações modernas e bem equipadas, a um estatuto dos alunos pragmático e eficaz, a um clima escolar caloroso.
A questão do clima é premente, pois a resiliência e o bem-estar docentes ancoram-se sobremaneira na qualidade das relações interpessoais, tanto professor-alunos como entre professores. Boas relações com os colegas são alcançadas através de programas de mentoria que coloquem os professores a refletirem em conjunto, jovens e maduros, sobre a sua prática educacional, elevando os níveis de confiança e autoestima dos jovens e… dos maduros.
Outro aspeto é o do acesso à carreira. Quem deve ser docente? Defendo que seja instituída uma classificação mínima (no mestrado integrado) de candidatura à profissão. No entanto, até um mestre com 18 valores deverá submeter-se a uma certificação para o ensino mediante uma prova escrita e uma entrevista, com guiões definidos pela tutela já que o país é pequeno e tendencialmente homogéneo.
A prova escrita servirá para aferir conhecimentos gerais embora relevantes de temas da psicologia, neurociência, pedagogia e didática específica, juntando algumas perguntas psicométricas. A entrevista, com maior peso avaliativo e conduzida por psicólogos educacionais, permitirá saber se o candidato possui a motivação e a inteligência emocional básicas para poder vir a ser um bom professor; não faltam bibliografia e técnicos experientes para levar a bom termo uma filtração mais fina.
Com a implementação de um mecanismo deste tipo, aberto a diferentes ferramentas, esvaziaremos a suposta legitimidade da expressão “só é professor quem não sabe fazer mais nada” (como se ensinar fosse banal)” ou “só é professor quem não arranjou melhor” (como se as escolas estivessem cheias de incompetentes).
Por último (neste artigo, pois o problema tem múltiplas vertentes), a questão da idade. Dada a atual esperança média de vida, é incontornável que os professores enfrentem os 66-67 anos como meta para receberem a pensão máxima de velhice. Todavia, à luz da erosão tremenda que a profissão impõe na saúde dos professores e no respetivo desempenho numa sala de aulas, julgo profundamente humanitário permitir-lhes que se reformem mais cedo com uma penalização menor da que é hoje aplicada. Nos dias que correm, não é difícil encontrar uma turma do 7.° ou 8.° ano de escolaridade a ser ensinada por alguém com mais 50 anos que os alunos!
A par dessa possibilidade, dever-se-ia limitar a componente letiva, a partir dos 60 anos de idade, a metade (ou menos) do horário de trabalho. Deste modo, o professor entraria numa nova fase profissional, concentrando-se em papéis diferentes: produtor de materiais didáticos ou institucionais, coordenador, supervisor, mentor, tutor, formador, investigador, consultor ou assessor da direção... A vontade é o limite. Abrir-se-iam assim vagas de quadro para candidatos ou professores jovens, seduzidos pela hipótese (otimista) de conseguirem uma nomeação definitiva ainda na casa dos 20s.
Se as coisas continuarem como estão, não será por falta de ideias ou de opções de ação. Não estando disponíveis, então que sejam inventadas. A “massa cinzenta” portuguesa tem potencial para isso.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico