Alec Baldwin enfrenta acção civil por negligência na produção de Rust

Um elemento da equipa técnica interpôs uma acção civil contra os produtores do western e outros, depois de a directora de fotografia ter morrido na sequência de um tiro disparado durante um ensaio. Advogados da responsável pelas armas usadas no filme mantêm teoria de sabotagem.

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Halyna Hutchins morreu na sequência de um tiro disparado durante um ensaio na rodagem de Rust CAROLINE BREHMAN/EPA

O director de iluminação do cenário em Santa Fé, Novo México, deu entrada com um processo por negligência, na quarta-feira, contra o actor Alec Baldwin e restantes produtores do filme, acusando-os de não terem implementado as normas de segurança necessárias, uma falha que abriu caminho para que “um revólver carregado com munições reais fosse apontado a pessoas no cenário de Rust”, lê-se no processo civil instaurado em Los Angeles e citado pela Reuters.

Serge Svetnoy é o primeiro a apresentar uma queixa formal depois da morte da directora de fotografia, Halyna Hutchins, a 21 de Outubro, num incidente em que o realizador Joel Souza foi ferido no ombro, depois de Alec Baldwin, durante um ensaio, ter disparado uma arma que lhe foi entregue como sendo segura, ou seja, como não contendo munições com projéctil. No entanto, a arma estava carregada com pelo menos uma bala verdadeira — a que atingiu Halyna Hutchins, tendo apanhado Joel Souza, que se encontrava atrás da colega —, tendo os investigadores encontrado outras balas reais no cenário.

“O cinema é uma arte maravilhosa, mas ninguém deve morrer para que outras pessoas sejam entretidas”, disse o advogado de Svetnoy, Gary Dordick, numa conferência de imprensa. “Eles nunca, nunca deveriam ter tido munições reais neste cenário”, acrescentou Dordick que assegurou que o director de iluminação não tem como objectivo ganhar dinheiro com o processo, mas assegurar melhores condições de trabalho e segurança.

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O director de iluminação Serge Svetnoy emocionou-se durante a conferência de imprensa em que informou ter apresentado uma acção civil contra os produtores de Rust, a armeira Hanna Gutierrez-Reed e o assistente de realização David Halls EPA/CAROLINE BREHMAN

Serge Svetnoy era uma das pessoas que se encontrava no cenário quando o tiro fatal aconteceu, tendo corrido para Halyna Hutchins, que segurou nos seus braços enquanto a mulher sangrava, depois de ter sido atingida no peito — algo que o técnico disse que “o assombrará para sempre”.

Ambos imigrantes da Ucrânia, Serge Svetnoy e Halyna Hutchins eram amigos há mais de cinco anos e, além de terem trabalhado juntos em nove produções, passavam férias em conjunto com as suas famílias, relata o Los Angeles Times. “Ainda não consigo acreditar que ela já não esteja connosco”, disse Svetnoy, na quarta-feira à tarde, durante uma conferência de imprensa num hotel de Beverly Hills, que reproduziu na sua conta de Instagram. “Que tragédia e injustiça quando uma pessoa perde a sua vida no cenário de um filme enquanto faz arte.”

Além da equipa de produção, a acção civil interposta aponta o dedo ainda ao assistente de realização Dave Halls, que confirmou ter sido a pessoa a entregar o revólver a Alec Baldwin, e à armeira Hannah Gutierrez-Reed, a responsável pelas armas usadas nas filmagens, que, por isso, poderá vir a ser acusada de negligência no caso da morte de Halyna Hutchins.

O advogado da armeira, porém, alega que alguém colocou deliberadamente uma bala com projéctil no revólver depois de Hannah Gutierrez-Reed o ter verificado. Jason Bowles vai mais longe e afirma que a sua equipa “acredita que a cena [do incidente] foi adulterada antes da chegada da polícia”.

No entanto, para a procuradora distrital do Novo México, Mary Carmack-Altwies, a ideia de sabotagem não passa, para já, de uma teoria da conspiração.

“Sei que alguns advogados de defesa criaram teorias da conspiração e usaram a palavra sabotagem. Não temos qualquer prova [de uma possível sabotagem]”, disse Carmack-Altwies, numa entrevista ao programa Good Morning America, acrescentando que os investigadores ainda não faziam ideia de como as munições reais tinham chegado ao cenário de Rust, sendo este ponto determinante para a investigação, que poderá durar meses. “Como [as munições] foram lá parar será um dos factores mais importantes para decidir quaisquer acusações.”

Cineastas do Novo México exigem mudanças

Tenha sido sabotagem ou acidente, muitos trabalhadores da indústria cinematográfica do Novo México não têm dúvidas de que algo tem de mudar e estão a exigir melhor formação e regras de segurança mais apertadas.

De acordo com dados estatais, as receitas provenientes da indústria cinematográfica e televisiva mais que duplicaram no Novo México desde 2015, assim como as horas de trabalho das equipas de filmagem. Há dez anos, cerca de meia dúzia de produções decorriam em simultâneo no Novo México. Em Setembro, eram 33, de acordo com dados oficiais, todas competindo por profissionais locais. Só que, segundo produtores, gestores de cenários, membros das equipas técnicas e actores entrevistados pela Reuters, o crescimento ultrapassou largamente a oferta do estado em termos de pessoal formado, o que põe em risco a segurança.

Até um terço do pessoal de alguns departamentos em produções de elevado orçamento pode ser inexperiente ou estar a trabalhar no seu primeiro filme, mas em produções de baixo orçamento, como Rust, o número de trabalhadores inexperientes dispara, uma vez que encontrar pessoal com experiência não é fácil — as grandes empresas, como a Netflix e a Universal, ambas com centros de produção do Novo México, contratam equipas de até 300 pessoas.

“Preciso de 60 [técnicos] e os bons estão todos a trabalhar”, disse Brent Morris, que está a contratar para um filme de baixo orçamento. Além disso, segundo o armeiro Keith Walters, que passou por grandes produções como Sicário - Infiltrado (2015), o Novo México não exige formação especial ou autorizações para os armeiros gerirem armas de fogo verdadeiras. A secretária adjunta do Departamento do Ambiente do Novo México, Rebecca Roose, confirmou, citada pela Reuters, que, embora o seu organismo supervisione a saúde e a segurança dos trabalhadores, não tem especificamente qualquer regulamento sobre os armeiros em termos das suas qualificações.

No caso de Hannah Gutierrez-Reed, filha do reconhecido armeiro Thell Reed (L.A. Confidencial, O Comboio das 3 e 10, Era Uma Vez em... Hollywood, entre muitos outros), o seu currículo como armeira tem apenas o filme de acção The Old Way, que estreia em 2022. Os seus advogados dizem que a jovem, de 24 anos, foi contratada para preencher duas vagas, sendo que os produtores de Rust não pediram quaisquer comprovativos da sua formação. E, nas vésperas do incidente, vários operadores de câmara tinham abandonado o cenário do western, acusando a produção de proporcionar condições de trabalho censuráveis.

“Há um problema no Novo México com o preenchimento da lista com pessoas formadas”, disse Alton Walpole, que tem mais de 30 anos de experiência no ramo. “A grande questão é não colocar o lucro acima da segurança.”

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Hannah Gutierrez-Reed DR

Mas para a directora de cenários Rebecca Puck Stair melhorar a segurança durante o processo de filmagem não tem de obrigatoriamente atingir o lucro. Tendo passado pelo Novo México em 2019 com o filme Jumanji: O Nível Seguinte, a técnica defende que os legisladores devem estabelecer uma licença especial para os armeiros, considerando que como contrapartida de contratar um armeiro licenciado as empresas poderiam beneficiar de uma redução de impostos.

O Gabinete de Cinema do Novo México, que promove o estado junto da indústria cinematográfica, assim como o gabinete de Michelle Lujan Grisham, a governadora do Novo México, escusaram-se a tecer quaisquer comentários.

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