A casa de morada de família, a separação e o divórcio

A questão da atribuição da casa de morada de família é matéria muito delicada e a merecer aturada ponderação, especialmente num país, como o nosso, em que os preços do imobiliário não cessam de aumentar, e os rendimentos do trabalho são generalizadamente baixos.

A casa de morada de família é muitas vezes o bem mais valioso do casal. Isto equivale a dizer que, em caso de divórcio ou separação do casal, a atribuição da casa a um ou a outro dos cônjuges é matéria controversa e que gera frequentes litígios. A questão suscita-se também nos casos de rutura de união de facto, pois a atribuição da casa também poderá colocar-se relativamente a ex-unidos.

A casa de morada de família é o local onde se centra a vida familiar e social do casal e dos filhos. Pode ser um bem próprio de um dos cônjuges ou unidos de facto, um bem comum ou um imóvel arrendado. Em qualquer destes casos, a casa poderá ser atribuída a qualquer um dos membros do casal. E sim, o imóvel poderá ser atribuído ao ex-cônjuge ou ex-unido de facto que não é o seu proprietário…

O destino da casa de morada de família deverá ser acordado pelos cônjuges no momento do divórcio. Se, porém, não existir consenso, serão os tribunais a decidir.

Aliás, nos divórcios em tribunal as questões em discussão são essencialmente duas: os filhos e a casa de morada de família.

O tribunal poderá atribuir provisoriamente a casa de morada de família a qualquer dos cônjuges. Para o efeito, deverão ter-se em conta as condições económicas de cada um dos cônjuges, as respetivas necessidades de habitação e o interesse dos filhos do casal, entre outros fatores.

Esta atribuição provisória – e que, em princípio, dura apenas até à decisão do processo de divórcio – poderá implicar o pagamento de uma contrapartida (por exemplo, o pagamento da totalidade dos encargos com o empréstimo bancário da casa ou o pagamento de uma renda ao outro cônjuge) ou ser feita a título gratuito. A lei não prevê expressamente a atribuição provisória gratuita, mas a verdade é que os tribunais a vêm decidindo. Num processo em que tenho intervenção, o tribunal atribuiu provisória e gratuitamente a um dos cônjuges uma casa de morada de família com um valor de mercado de 1,5 milhões de euros (!).

Já para o período pós-divórcio, à atribuição da casa de morada de família deverá corresponder o pagamento de uma contrapartida ao outro cônjuge. Na verdade, o Código Civil prevê que a casa seja dada em regime de arrendamento a um dos cônjuges, o que exclui, em nosso entender, a possibilidade de uma atribuição gratuita. O montante da renda a pagar será fixado pelo tribunal, tendo em conta, claro está, as possibilidades e necessidades de cada um dos membros do ex-casal e ainda o interesse dos filhos. Em qualquer caso, consideramos que a renda a fixar deverá ter alguma correspondência com o valor locatício do imóvel, sob pena de se estar perante uma atribuição efetuada a título gratuito que, como defendemos, a lei não permite.

Sempre que esteja em causa um imóvel que não é bem comum do casal, e sim propriedade de um dos ex-cônjuges ou ex-unidos de facto, a sua atribuição a quem não é o seu proprietário deverá ser rodeada, como é evidente, das maiores cautelas. Afinal de contas, falamos aqui de privar-se um proprietário do uso e disponibilidade de um imóvel que, as mais das vezes, é o seu bem mais valioso. Só em casos muito contados deverá, portanto, admitir-se a atribuição da casa de morada de família a quem não é o seu proprietário. Nestes casos, a duração deste direito deverá ser limitada na sentença fixando-se, por exemplo, que durará apenas até à data em que o filho do casal perfizer 18 anos de idade.

A questão da atribuição da casa de morada de família é, como se vê, matéria muito delicada e a merecer aturada ponderação por parte dos nossos tribunais, especialmente num país, como o nosso, em que os preços do imobiliário não cessam de aumentar, e os rendimentos do trabalho são generalizadamente baixos. É que, por cada membro do casal que vê as respetivas necessidades habitacionais acauteladas com a atribuição do imóvel, existe outro que poderá, por esse motivo, ficar privado de adquirir um novo imóvel para si.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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