Ao longo de mais de 60 anos, Patricia Highsmith manteve um diário que não deixou ninguém ler. Quando morreu, em 1995, a sua editora encontrou 8 mil páginas que provam a forte ligação entre a mulher tortuosa e a escritora. São confissões acerca do mal, da identidade, de um impulso em direcção ao crime que a escrita concretizou, uma grande intimidade com o assassino. Quando passam cem anos do seu nascimento é a hora de Patricia Highsmith: her Diaries and Notebooks: 1941-1995. Vai ser editado em Novembro no mercado anglo-saxónico mas Isabel Lucas teve já acesso ao livro.
Os diários foram descobertos depois da morte da escritora em 1995, em Locarno, escondidos entre lençóis e toalhas, guardados na casa onde Highsmith viveu os últimos aos da sua vida, em Ticino, Suíça. Eram 56 cadernos espiralados, um total de oito mil páginas que se revelaram uma mistura confusa entre factos e falsidade. As folhas, em espiral, preenchidas a esferográfica, numa caligrafia certa, miúda, foram encontradas pela editora de Highsmith de muitos anos, Anna von Planta, e pelo executor testamentário Daniel Keel. O conjunto forma um vasto catálogo de pensamentos, projectos, reflexões sobre o bem e o mal, um relato de extrema solidão a que se remeteu, sobretudo no fim da vida, quando se afastou de quase toda a gente atrás de posições extremadas, preconceitos contra judeus, católicos, gays, quase a humanidade em geral.
O diário de uma intimidade com o mal é, então, a pièce de résistance desta edição. Para os conhecedores de Highsmith e para os que conhecem a escritora apenas dos filmes. Sim, não têm faltado adaptações ao cinema e à TV de Patricia Highsmith, mas algo na sua obra continua a resistir à filmagem, como analisa Jorge Mourinha.
Francisco Valente foi ao cinema, em Nova Iorque. Viu The Card Counter (2021) de Paul Schrader, em dia de estreia (aviso: é um dos grandes filmes do ano), rodeado de três espectadores e mais de 400 cadeiras vazias. A sensação de incerteza ainda paira na cidade em relação ao futuro da experiência colectiva de vermos um filme, a qualquer momento, no meio de uma multidão. O cinema e uma cidade num limbo é assim uma reportagem/indagação numa altura em que o New York Film Festival marcou o arranque da rentrée cultural da cidade. Que rentrée é esta? As salas de cinema tentam resistir às incertezas que pairam no ar.
Estreia esta sexta-feira na Apple TV+ o documentário de Todd Haynes que mergulha no tempo e no universo específico dos Velvet Underground. É ali, imersos em imagem, rodeados pelo som, que os vemos mais claramente. Porque Todd Haynes "viu" a música onírica dos Velvet. O que sentimos e o que vemos quando ouvimos a banda de Lou Reed e John Cale? O cineasta responde com um filme hipnótico, janelas abertas ao espírito de um tempo.
The Velvet Underground é em tudo um filme de Todd Haynes. É o "mosaico”, o “fresco” de uma época novaiorquina com a sua quase infindável galeria de personagens. Mas é também um objecto que encontra o seu território fora do formato habitual do documentário musical (como também Becoming Led Zeppelin ou Ennio, sobre Morricone, filmes que se afastam do habitual propósito hagiográfico para nos dar a ouvir, coisa inusitada num documentário musical, a música).
Mais duas propostas musicais: o novo disco de James Blake, Friends that Break Your Heart (ainda não é desta que ele desilude - opinião de Vítor Belanciano)
E o fabuloso momento de um baterista e compositor de jazz que regressa aos seus dois projectos principais, Omniae Ensemble e The Rite of Trio. É Pedro Melo Alves, entusiasticamente escutado por Gonçalo Frota
Sérgio C. Andrade entrevista Álvaro Magalhães. Para Quê Tudo Isto? é um título que é também o programa de indagação que levou o autor a escrever a biografia de Manuel António Pina, de quem foi um dos amigos mais cúmplices. O livro é, finalmente, um retrato ampliado desse poeta que gostava de brincar com as palavras.