Sobre o discurso de ódio
É tudo normal neste famoso “novo normal”, mas não deveria ser, porque o preço a pagar é uma sociedade doente, radicalizada, violenta, sim porque as palavras também podem ser violência.
Um cronista do site Observador escreveu um artigo a destilar ódio sobre mim. Se fossem críticas teriam argumentos, neste caso científicos, mas como não há qualquer enquadramento construtivo, isto é ódio e incentivo ao ódio. E claro, totalmente politizado, quando eu não tenho qualquer cor política e só falo de ciência. E com estranheza vejo tanta gente que nada percebe de Medicina criticar com tanto vigor, quem se esforçou por trazer a realidade dos hospitais, e a ciência, à opinião pública.
Como eu não sou a favor de alimentar guerras e lutas na lama, a única coisa que eu tenho a dizer sobre o conteúdo é que diz muito sobre quem o escreve e sobre a linha editorial do site que o publica, e nada diz sobre mim. Tinha vários argumentos organizados em texto, uns mais civilizados do que outros, uns mais construtivos e outros mais reactivos, para responder ao dito, mas deitei essas palavras ao lixo e preferi usar estes pensamentos como pretexto para falar sobre um tema, que é um dos maiores desafios dos nossos tempos. Portanto, isto não é um direito de resposta, isto é um apelo à reflexão.
Há cerca de uma semana prometi a mim mesmo desistir (espero que para sempre, depende dos desenvolvimentos, veremos) de escrever/falar sobre a pandemia, e em boa parte porque não aguento mais tudo o que envolve o ódio e a raiva de uma franja considerável da opinião pública. E não é só por mim, também é para cuidar melhor de mim, mas é acima de tudo pela minha família que não tem o mesmo poder de encaixe que eu tenho, nem a mesma carapaça emocional que as minhas experiências me foram trazendo. E porque esta acidez, este veneno, estes pensamentos nocivos conseguem contaminar e fissurar aquilo que eu pretendo que seja a minha religião: a bondade e a compaixão.
As pessoas normais têm medo dos sociopatas, e quando assim é, nós precisamos da lei. Os algoritmos das redes sociais estão virados para o ódio, os jornais e televisões não resistem às audiências da polémica, da desinformação, da raiva e da maledicência. E com isto quem perde somos todos nós. Certamente já todos tiveram a desprazer de ler comentários das redes sociais, que mais parecem o esgoto da sociedade, em que as pessoas acham que insultar, instigar à violência, mentir, difamar, e promover as teorias mais estapafúrdias da mente humana... É tudo normal neste famoso “novo normal”, mas não deveria ser, porque o preço a pagar é uma sociedade doente, radicalizada, violenta, sim porque as palavras também podem ser violência e nós estamos a ver estes fenómenos a acontecer com toda a impunidade do mundo, sob a capa da sacrossanta liberdade de expressão.
Quando vemos a nobreza dos jornalistas russo e filipina que venceram há dias o Prémio Nobel da Paz, pela e para a promoção da liberdade de expressão, em regimes autocráticos, ditatoriais e repressores, rejubilamos pela justiça deste prémio por quem arrisca a vida por um pensamento livre contra regimes que prendem e matam quem tem opiniões contrárias. Mas a liberdade de expressão tem limites. Não há nenhuma liberdade que não tenha limites. E ao permitirmos a liberdade para promover o ódio, a morte, a violência, estamos a destruir a cidadania, a sociedade e mais ou tarde ou mais cedo a democracia.
A pluralidade de opiniões não pode englobar a discriminação (racial, sexual, etc.), desinformação que mata, insultos, promoção de violência e incentivo ao ódio.
É urgente que se criem leis para as redes sociais, é urgente acabar com a impunidade de quem promove o ódio, é urgente que as pessoas tenham vergonha do que escrevem na Internet, é urgente que as linhas editoriais sejam responsabilizadas pelo ódio que veiculam, e é urgente que se cultive a sensatez, educação e o respeito pelo outro, nos actos e também nas palavras.
“Há necessidade de construtores de paz, não de provocadores de conflitos; de bombeiros, não de incendiários; de pregadores de reconciliação, e não de bandidos da destruição”, disse o Papa Francisco no decorrer da sua visita ao Egipto.
O que alimentarmos é o que vamos ter. Pensemos muito bem nisto!