Cultura não acredita em Orçamento do Estado salvador

Sector foi dos mais atingidos pela covid-19, mas não espera que o documento que será apresentado no Parlamento na próxima segunda-feira responda ao problema “crónico” de “subfinanciamento” que o aflige.

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O sector da Cultura foi dos que mais sofreram com o abalo da pandemia Rui Gaudêncio

O sector da Cultura, que agora começa a tentar reerguer-se sem restrições, foi dos que mais sofreram com os constrangimentos da pandemia, mas nem por isso os agentes que o compõem acreditam que o Orçamento do Estado (OE) para 2022 olhará para si com especial atenção.

O arqueólogo Luís Raposo, que preside ao ICOM Europa (Conselho Internacional de Museus), traça um cenário “pessimista”. “A situação é tão deprimente que estamos próximos da situação do cavalo do inglês”, afirma, trazendo a conversa para o subsector do património para explicar o seu ponto de vista. “Conhece a história [popular] do inglês que deixa de alimentar o cavalo para poupar dinheiro e não ter de estar sempre a comprar ração? O animal perde muito peso e acaba por morrer, deixando o dono perplexo. Pensa: ‘Logo agora que estava a habituar-se a não comer?’ A situação que os museus atravessam é idêntica. Passaram meses encerrados e, em muitos casos, as equipas das instituições emagreceram. Agora que, em teoria, existem as condições sanitárias para uma retoma, estão próximos de falecer.”

Luís Raposo acredita que os museus que mais sofreram com a pandemia foram “os privados e os de grande dimensão”. “Poder-se-á dizer que, com mais ou menos dificuldade, os municipais e de dimensões mais reduzidas conseguiram conter os danos, em parte porque o contacto com as comunidades é mais orgânico. O visitante turista é muito mais volátil, o que para os espaços privados significa muita imprevisibilidade e uma grande desprotecção”, esclarece, salientando que “era bom que existisse no OE uma linha de financiamento específica para a recuperação dos museus” mais fragilizados.

João Carvalho, director da Ritmos — produtora de eventos que é responsável pelo festival de música Vodafone Paredes de Coura, por exemplo —, também espera que “este OE se lembre da cultura dos privados, que durante dois anos manteve postos de emprego sem poder trabalhar”. “Quando há festivais, há movimento na cidade, há hotéis e restaurantes cheios. Contribuímos muito para o PIB, pelo que espero que o Governo olhe para o sector com firmeza”, refere.

No campo do cinema há boas notícias, dado que a transposição da directiva europeia do audiovisual para a lei portuguesa, aprovada recentemente em Conselho de Ministros, prevê a inclusão das despesas de gestão do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) nas verbas gerais do OE 2022. Cíntia Gil, que abandonou recentemente a direcção do Sheffield Doc/Fest, festival britânico de cinema documental, aplaude o que vê como “um passo importante”, mas não deixa de frisar que a Cinemateca Portuguesa não pode ser esquecida. “Não percebo como é que ela ainda não está nas contas do OE. Isto fragiliza muito a instituição e piora ainda mais a nossa situação crónica de subfinanciamento”, argumenta.

Para a programadora, o Governo não pode concentrar-se apenas nos “naturalmente importantes” apoios à criação cinematográfica, devendo também desenvolver “uma política pública de acesso ao nosso património fílmico”. “O acesso das populações à cultura é uma questão prioritária, que tem tanto a ver com construção de cidadania e massa crítica como com a própria criação de públicos futuros para o sector. E aqui o contrato de concessão da RTP é fundamental. A RTP tem responsabilidades cruciais no que a essa formação de públicos diz respeito.”

O Governo tem de entregar o OE 2022 no Parlamento até 11 de Outubro. O OE 2021 previa uma despesa total consolidada para a Cultura de 563,9 milhões de euros, uma subida de quase 8% face aos 523,4 milhões inscritos no OE 2020.

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