Um novo Interior depois da campanha eleitoral?
Os autarcas, seja qual for a sua cor política, têm de defender os interesses da sua região trabalhando com o Governo, exigindo ao Governo, mas cumprindo também a sua parte.
Muitos políticos só correm o país e só falam do Interior (e para o Interior) em períodos eleitorais.
Durante esta última campanha houve até quem identificasse territórios como sendo do Interior quando na realidade não o são. Uma confusão frequente de quem acredita que o país se resume à capital e que, por isso, fora de Lisboa considera já estar na província.
Demasiadas vezes o debate político e público olha o país a partir de Lisboa, revelando desconhecimento ou, pior, uma atitude desvalorizadora de tudo o resto.
Agora que acabou a campanha eleitoral e as eleições autárquicas se cumpriram, podemos guardar as bandeiras partidárias e erguer apenas a “bandeira do território”.
Guardar as bandeiras não significa esquecer as promessas feitas, sobretudo as que foram feitas para o Interior, mesmo que por aqueles que só o conhecem ou reconhecem nestas alturas.
“Erguer a bandeira do território” significa que os autarcas, seja qual for a sua cor política, têm de defender os interesses da sua região e das gentes que servem, trabalhando com o Governo, exigindo ao Governo, mas cumprindo também a sua parte. Muito do que falta fazer nos nossos lugares, aldeias, vilas e cidades está também nas mãos dos autarcas, que munidos de novas competências têm um papel ainda mais decisivo nas condições de vida da população.
Hoje, a resolução de muitos dos problemas dos territórios - como a provisão de serviços de saúde, de serviços de transporte, de gestão de resíduos, entre outros - já é feita à escala supramunicipal, nomeadamente ao nível das Comunidades Intermunicipais (CIM).
Dou como exemplo o problema da acessibilidade no Interior. Aí, onde existe uma população envelhecida, frágil e com dificuldades de mobilidade, onde não há operadores privados interessados em trabalhar, muitos municípios já trabalham em conjunto entre si em projetos de transporte flexível, a pedido, geridos a partir das CIM.
Não são casos únicos. Os serviços de transporte para a população em geral, mesmo fora do Interior, exigem hoje uma escala que ultrapassa o município. As CIM, entre outras competências, são autoridades de transporte e têm meios financeiros para resolver este tipo de problemas, que têm obviamente mais impacto onde existe menos gente ou onde esta se encontra mais dispersa. Algumas CIM só não vão mais longe nas respostas que encontram por falta de entendimento entre os autarcas ou porque as prioridades escolhidas são outras. A solução não passa por pedir ao Governo que assuma responsabilidades que entregou ao poder local e para as quais até há fundos europeus.
“Erguer a bandeira do território” significa também que não há territórios condenados, que o seu valor não está dependente apenas da valorização dos recursos endógenos, tantas vezes daí retirados para serem convertidos em produtos de maior valor noutras geografias. Muito menos devemos considerar que os espaços rurais são “museus”, com “obras de arte” que podem ser usufruídas desde que se pague uma compensação pelos serviços desses ecossistemas (que devem ser incontestavelmente pagos, mas são só). Esta forma de pensar implica o abandono do Interior, consequência da falta de atividade económica e da ausência de pessoas. Temos por isso de o valorizar, o que significa desenvolver atividades que geram maior riqueza, não apenas nos setores tradicionais, mas também na diversificação da sua base económica.
“Erguer a bandeira do território” significa multiplicar os bons exemplos, tendo em conta as especificidades de cada zona. Para isso, precisamos de autarcas dialogantes, cientes da sua enorme importância, capazes de negociar com um Governo que está próximo e disponível.
E necessitamos de ter sempre presente que, não ignorando os sérios desafios da capital e de outras grandes cidades, o país existe para além de Lisboa. Por muito paradoxal que possa parecer, ao tornarmos os territórios do Interior mais atrativos estaremos também a aliviar os maiores problemas das áreas urbanas.
Comecemos, por isso, por mudar a visão que alguns ainda têm do nosso Interior e esperar que esta campanha tenha servido para mais do que uma visita pontual de políticos em vésperas de eleições.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico