A Metamorfose dos Pássaros avança pelo território íntimo de uma família e de uma cineasta, Catarina Vasconcelos. Leva com ele marinheiros, barcos e o mar e o desejo das crianças de explorar labirintos. Um deslumbrante sentido lúdico. E a indomabilidade do trágico. Documentário? Filme de família? Ensaio? Também. Mas fica-lhe melhor filme de aventuras.
Não é um exagero aventureiro experimentar o filme deste modo. O protocolo de investigação visual deste que já é um dos títulos mais premiados do cinema português (juntem a Berlim, Vilnius, San Sebastián, Pesaro, Santiago do Chile, Taipé, Lisboa, Curitiba ou Victoria, no Canadá, as escolhas da crítica internacional, os prémios para Melhor Filme ou Melhor Primeira Obra, o Prémio Especial do Júri e o da Melhor Realização, o Prémio do Público ou do Melhor Documentário) decorre de dois princípios que A Metamorfose dos Pássaros, o seu sentido de jogo, vai revelando, como alguém que deixa pegadas na terra descoberta: quando não se sabe, inventa-se; observar o mundo como se estivéssemos dentro de um quadro e fora dele a vida teimasse em continuar.
O corolário desta espécie de conjunto de regras para uma mise en scène é o deslumbrante sentido lúdico e a irredutibilidade do trágico em A Metamorfose dos Pássaros. Não tenhamos pudor de o explicitar, corramos o risco de assim o banalizar: no centro de tudo está a morte.
Entrevista com a realizadora aqui... Retrato de uma família aqui...
Outro cinema. Com Titane, algures entre o filme de género e a fábula mítica, a francesa Julia Ducournau tornou-se apenas na segunda mulher a vencer a Palma de Ouro em Cannes. E também uma das mais polémicas. Mas o que se revela é um cinema seguro, físico, pessoal e intransmissível, inspirado por Pasolini ou Cronenberg, defende Jorge Mourinha.
Ele falou com Durcournau.
Escreve ele que há, nesta segunda longa da realizadora francesa após Grave/Raw, uma consciência fortíssima do (ab)uso dos clichés do género — reencontramos aí Cronenberg ou Carpenter, entre outros cineastas que saíram da gaveta de género em que muitas vezes foram encaixados para, nas palavras de Ducournau, “terem feito avançar o cinema”. Tudo em Titane parece oriundo de mil filmes anteriores. Será o filme capaz de moldar todas estas influências num único todo que remeta para a frente e não para trás? A ver... e a discutir... Por exemplo: se tivesse sido realizado por um homem (digamos: Paul Verhoeven...) poderia afinal ser acusado de objectificação dos corpos e de misoginia?
A partir do encontro entre um lápis branco e as folhas de um caderno preto nasceu o livro Desenhar do Escuro. Resultado de deambulações do ilustrador António Jorge Gonçalves que retratam de forma sublime um tempo de pandemia.
Gonçalo Frota descreve: a cidade despida de pessoas, umas poucas sombras de gente semi-escondidas, carruagens de metro, cafés, bombas de gasolina, casas, salas de espectáculos ou igrejas entregues a uma noite sem-fim; aos poucos, segue depois para uma lenta e tímida reaproximação da natureza e do espaço público de forma menos isolada.
A intensa e megalómana produção editorial do Estado Novo já merecia um livro assim, avalia Sérgio B. Gomes. Um livro que nos identificasse, título a título, o que de mais relevante o regime salazarista deu à estampa. Fotografia Impressa e Propaganda em Portugal no Estado Novo, que acaba de sair, não se fica pela retórica visual nacionalista — convoca também quem ousou dar-lhe resposta.
Em 2015, Filomena Serra (com quem Sérgio Gomes conversa), investigadora no Instituto de História Contemporânea da Nova FCSH, em Lisboa, visitou a exposição fotos & libros. España 1905-1977 no Museu Reina Sofia, em Madrid, e viu a extraordinária dinâmica editorial espanhola, especialmente com as revistas e livros republicanos, ficou deslumbrada. Apercebeu-se da inexistência de um levantamento semelhante em Portugal; compreendeu que, a fazer-se esse trabalho, teria de se começar “pelo outro lado”, pela produção editorial dominante, a do regime salazarista.
Enquanto esperamos pelo concerto que Ove Andsnes e a Mahler Chamber Orchestra virão apresentar na Gulbenkian a 6 de Novembro, aqui fica o primeiro disco do projecto Mozart Momentum 1785/1786. Um Mozart magistral...