Alimentação saudável tem de estar no sumário
A limitação de alimentos com excesso de açúcar, sal e gorduras nas escolas deverá ser apenas a ponta do iceberg e estabelecer-se como uma medida de uma série de outras que devem olhar para a alimentação das nossas crianças como um todo. Mas, como fazer este caminho com apenas dois (sim, dois) nutricionistas em todo o Ministério da Educação?
O António está de regresso às aulas. Um regresso às aulas que não poderá deixar ser considerado sui generis, pela continua presença das máscaras na sala de aula e pelo gel desinfetante em riste, mas, do mesmo modo, um regresso às aulas muito aguardado, após meses de confinamento e telescola.
Como muitos dos restantes colegas, o António passou os últimos meses em casa, a mexer-se menos e a comer pior. Um doce aqui, um gadget acolá acabou por se traduzir num largo período de agravamento do excesso de peso que, não esqueçamos, em crianças e adultos é significativo fator de risco para doenças crónicas e graves como a obesidade ou a diabetes.
Na escola pública (e na privada também) espera-se que o ensino vá para além dos livros escolares, que fuja à regra da tabuada cantada e que decorar só para passar já não exista mais. Espera-se que a escola seja um local de promoção da cidadania, do respeito entre pares, da igualdade, da educação ambiental também e da educação para a saúde evidentemente, nomeadamente no que às questões da alimentação saudável diz respeito.
É, por isso, de aplaudir e não de estranhar que, recentemente, tenhamos visto bolas de Berlim, pães com chouriço, batatas fritas ou refrigerantes banidos dos bufetes e das máquinas de venda automática nas escolas públicas. Sabendo, aliás, que os hábitos alimentares inadequados são um dos principais motivos para muitas das doenças da população portuguesa, até o António é capaz de reconhecer que não fazia sentido que na sua escola pudesse comprar alimentos que, ingeridos com frequência, é certo e sabido impactarem a sua qualidade de vida.
No entanto, sabemo-lo, a promoção de hábitos alimentares saudáveis não se esgota com a proibição da venda de determinados produtos nas escolas, uma vez que o António não deixou de ser livre de levar de casa aquilo que lhe apeteça (e que os pais permitam) ou de comprar um hambúrguer no segundo quarteirão. E ainda bem que há esta liberdade. Que todos tenhamos sempre a liberdade de fazer as nossas escolhas, mas que estas possam ser informadas e conscientes. E é aqui que reside a questão. A limitação destes alimentos com excesso de açúcar, sal e gorduras nas escolas deverá ser apenas a ponta do iceberg e estabelecer-se como uma medida de uma série de outras que devem olhar para a alimentação das nossas crianças como um todo, e promover uma escolha consciente de certos alimentos em detrimento de outros. A aposta na literacia alimentar em todos os ciclos de ensino tem, por isso, de ser o cerne desta questão.
Depois deste importante passo em nome da criação de um ambiente escolar mais salutogénico, que oferece melhores alternativas e opções saudáveis aos seus alunos, está na hora de avançar com uma estratégia que se quer consertada e que promova, em todos os âmbitos, a alimentação saudável.
Mas, como fazer este caminho com apenas dois (sim, dois) nutricionistas em todo o Ministério da Educação?
É tempo de garantir a chegada, por fim, ao Ministério da Educação dos nutricionistas, para o desenvolvimento de uma estratégia para a alimentação escolar, cuja verba para a contratação estava já prevista no Orçamento do Estado de 2020. E não é bom o argumento de que não vale a pena porque a alimentação escolar vai passar para as competências das autarquias. Quem pensa assim, tem uma visão curta. Precisamos de um trabalho articulado entre todos estes nutricionistas, os das autarquias, os das empresas de restauração e os dos centros de saúde. É tempo de priorizar a alimentação escolar. É tempo de assegurar que há nutricionistas nas escolas, nas autarquias, nos centros de saúde e nas empresas de restauração capazes de garantir o cumprimento das regras, mas também de promoverem, de facto, a informação e a capacitação das nossas crianças para que possam fazer escolhas alimentares saudáveis, sustentáveis e saborosas.
É, acima de tudo, tempo de exigir mais e melhor aos nossos governantes em nome da verdadeira promoção da saúde e robusta prevenção da doença, e, hoje mais que nunca, de exigir celeridade na tomada de decisões, cujo atraso continua a impactar tão severamente a vida de todos os Antónios de Portugal.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico