Israel e EUA criticam lei que limita restituições do Holocausto na Polónia
Aprovação da legislação reacende tensão entre Israel e Polónia. MNE de Israel anuncia revisão de declaração conjunta de 2018.
Israel e os Estados Unidos criticaram a aprovação de uma lei pelo Parlamento polaco que restringe as possibilidades de restituição de propriedades roubadas pelos nazis na II Guerra Mundial.
A lei estipula que pedidos de restituição feitos nos últimos 30 anos que não tenham tido resposta serão cancelados ou recusados, e novos recursos de decisões tomadas há mais de 30 anos serão também proibidos.
A nova legislação afecta não só judeus, mas sim todos os que viram as suas propriedades confiscadas também durante o regime comunista. No caso de antigos proprietários judeus, tratava-se na maior parte das casas ou lojas de famílias mortas no Holocausto, e que foram depois apropriadas pelas autoridades polacas.
Para entrar em vigor, tem de ser assinada pelo Presidente, Andrej Duda. Os EUA já pediram a Duda que não assine a lei ou que a envie, pelo menos, ao Tribunal Constitucional.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que a América está “profundamente preocupada” com a acção do Parlamento polaco que “restringe muito a possibilidade para os sobreviventes do Holocausto e suas famílias, assim como outros proprietários judeus e não judeus, para conseguirem restituição da propriedade indevidamente confiscada durante a era comunista da Polónia”. Ao contrário do que fizeram outros países da Europa Central e de Leste depois de 1989, a Polónia nunca teve uma lei de restituição, deixando às pessoas individuais a opção de tentarem por si as restituições em tribunal.
Blinken também criticou outra lei, aprovada na mesma sessão, sobre imprensa, que pode por em causa a independência dos media no país e levou à saída de um dos partidos da coligação.
De Israel, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Yair Lapid, fez uma forte condenação: “O Estado de Israel não irá ceder nem uma vírgula quando se trata da memória do Holocausto”, disse Lapid no Twitter na quarta-feira, logo após a aprovação da lei. “Condeno a lei que foi aprovada, que lesa a memória do Holocausto e os direitos das vítimas.”
O Presidente do Parlamento israelita, Mickey Levy, anunciou o cancelamento de planos para um grupo de amizade interparlamentar com a Polónia. A nova lei, declarou, é “um roubo descarado” e irá ter consequências na relação entre os dois países, segundo o Times of Israel.
Lapid acrescentou que irá rever uma declaração conjunta entre a Polónia e Israel de 2018 em relação à culpa de polacos por crimes dos nazis e dos seus colaboradores, acrescentando que se opôs a esta declaração desde a sua concepção.
A declaração seguiu-se à aprovação de uma lei na Polónia para proibir o uso da expressão “campos polacos”, errada e muito comum, já que os campos estavam localizados em território polaco ocupado pelos nazis e geridos por eles. Mas a lei ia mais longe, e proibia ainda qualquer acusação contra “o Estado polaco, ou a nação polaca, de responsabilidade ou cumplicidade nos crimes cometidos pelo Terceiro Reich alemão”. Na altura, Lapid, na oposição em Israel, sublinhava que “houve centenas de milhares de judeus assassinados sem terem sequer encontrado um soldado alemão” e criticava a lei polaca por pretender mudar a História.
Vários historiadores, dentro e fora de Israel, condenaram a lei por pretender distorcer a História, afirmando que a Polónia teve um enorme papel na defesa de judeus e de vítima dos nazis, mas onde também houve polacos a matar judeus.
Lapid propôs também na altura, no Parlamento israelita, uma lei para apoiar académicos acusados no âmbito da lei, que entretanto deixou de prever penas de prisão para os condenados, passando para ser punida com multa.
A primeira condenação aconteceu em Fevereiro de 2021, quando um tribunal de Varsóvia condenou dois historiadores por “mancharam a memória” de um autarca polaco com uma investigação que revela actos de cumplicidade de polacos com nazis. Os condenados - Barbara Engelking, directora do Centro Polaco de Investigação do Holocausto, e Jan Grabowski, da Universidade de Otava, no Canadá - recorreram.
Para suavizar os problemas causados com esta lei, a Polónia fez algumas alterações. O Governo de então, liderado por Benjamin Netanyahu, com interesse em ter boas relações com a Polónia, assinou depois uma declaração conjunta, dizendo que ambos “rejeitam acções com o objectivo de culpar a Polónia ou a nação Polaca como um todo de atrocidades cometidas pelos nazis e os seus colaboradores de nações diferentes”. É esta declaração, sobre o papel dos polacos no Holocausto que, segundo o museu Yad Vashem de Jerusalém, é “factualmente incorrecta”, que Lapid anunciou que vai rever.