Hospitalização privada: um presente forte e resiliente
Reconhecer a liberdade de escolha em saúde e aproximar o bom do sistema público ao bom do setor privado, formalizando um Sistema Português de Saúde, será a única forma de assegurar a cada cidadão o efetivo direito à saúde.
Há pouco mais de quatro dezenas de anos não se podia prever o futuro da hospitalização privada. Um SNS exclusivista prometia assegurar os cuidados de saúde a todos os portugueses. O Estado tinha chamado a si o financiamento, a prestação e a garantia da saúde de todos os cuidados de saúde. Com o surgir de novos hospitais públicos, a consolidação das carreiras profissionais, a melhoria nos indicadores de bem-estar e um crescimento económico seguro, faziam acreditar que o desempenho do SNS se poderia aproximar dos padrões nórdicos. Eu próprio vivi essa esperança quando dirigi hospitais públicos.
Porém, nas organizações nada é permanente. Ou se adaptam à mecânica da sociedade ou acabam por sofrer disfunções que vão tolhendo o seu desempenho. Numa sociedade mais exigente, com alguma literacia, mais europeizada, o cidadão não aceita ser utente de um serviço burocratizado, subfinanciado, onde não pode escolher e é obrigado a estacionar em longas listas de espera. Assim começou uma procura progressiva dos seguros de saúde e a utilização massiva dos sub-sistemas que induziram um rápido crescimento de uma hospitalização onde não há utentes, mas pacientes/clientes.
Quatro milhões e meio de portugueses tornaram-se potenciais clientes dos hospitais privados, escolhendo o prestador, o médico e o serviço, estimulando a concorrência e a qualidade. Em 2021 estão registados 127 hospitais privados, alguns de grande dimensão, modernos, amigos do doente, onde trabalham excelentes profissionais e cujo acesso está ao alcance de um site, de uma app ou de um telefone. No ano de 2020 produziram 6.323.542 consultas, 828.024 urgências, 169.075 cirurgias. O índice de crescimento da produção da hospitalização privada, a manter-se nos próximos dez anos, ultrapassará o SNS e será a escolha predominante dos portugueses de todas as classes sociais.
Há muito que os hospitais privados deixaram de ser privilégio para ricos e democratizou-se o seu acesso. É certo que patologias mais diferenciadas ainda são predominantemente tratadas nos hospitais do SNS, mas a diferenciação tecnológica e o investimento em inovação está a tornar os hospitais privados muito mais bem preparados para a nova medicina e os novos doentes e, com isso, assumirem o diagnóstico e tratamento das patologias degenerativas, doenças crónicas e cancro.
Num país parco em recursos, com sinais de empobrecimento relativo, é penoso que a inevitabilidade dos tempos que fez nascer, em novos moldes, prestadores de saúde que estão a executar um serviço público e a multiplicar a capacidade de oferta em saúde, não leve o Poder Executivo a fazer reformas profundas que permitam colocar a enorme capacidade instalada (pública + privada) existente ao serviço dos portugueses e continue a insistir em dicotomias ungidas pela ideologia e que nada dizem a quem está doente e necessita de cuidados.
Reconhecer a liberdade de escolha em saúde e aproximar o bom do sistema público ao bom do setor privado, reconhecendo a necessidade na diversidade de fontes de financiamento e prestação, formalizando um Sistema Português de Saúde, será a única forma de assegurar a cada cidadão o efetivo direito à saúde. Com a capacidade instalada existente é, no mínimo, escandalosa a existência de enormes e crescentes listas de espera e a lentidão na resposta ao pós-covid. Os portugueses não merecem este tratamento!
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico