Não é um impeachment, é uma inevitabilidade
Num dos momentos mais difíceis da sua história, o Brasil teve no seu Presidente alguém que virou as costas ao povo e à lei para benefício próprio e dos que o rodeiam: é criminoso e imoral.
O Brasil passou a marca de 500 mil mortos por covid-19. Um número dantesco, cuja dimensão é bem maior do que a dos dados oficiais. Meio milhão de pessoas, vítimas de um vírus que as atacou e de um Presidente que não as defendeu. Pelo contrário, o negacionismo deu força à pandemia, dividindo o país e minando quaisquer medidas sanitárias. Bolsonaro é o rosto desse flagelo, o Presidente que rejeitou publicamente a ciência e insultou cada uma das vítimas da doença que ele dizia ser “uma gripezinha”. Só por isso, Bolsonaro merece o impeachment.
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPI) está a investigar a atuação de Bolsonaro e do seu governo na resposta pandémica e as provas reunidas são assustadoras. Comecemos pela patranha mais publicitada, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina. Tal como Donald Trump, Bolsonaro fez uma campanha ativa pelo uso destas substâncias no combate à covid-19. Mesmo depois de a ciência ter comprovado a ineficácia destes fármacos, Bolsonaro insistia repetidamente. Agora sabemos que Bolsonaro tinha muitos empresários amigos que faziam negócio com a venda de cloroquina e de hidroxicloroquina e tinham interesse nessa promoção. A participação de Bolsonaro não foi apenas de publicitário – devido à falta de matéria prima, foi o próprio Presidente que falou com o seu homólogo indiano para garantir que os seus amigos conseguiam ultrapassar as dificuldades alfandegárias. Só por isso, Bolsonaro merece o impeachment.
Já a compra de vacinas é um claro caso de corrupção. Correção: não é um caso, são dois casos com duas vacinas diferentes. Na tentativa de compra da vacina da AstraZeneca, um diretor do Ministério da Saúde terá exigido que o contrato incluísse o pagamento adicional de um dólar por cada dose de vacina. A acusação é feita pelo representante da empresa norte-americana Davati Medical Supply, que esteve em fase adiantada de negociações com o Ministério da Saúde brasileiro. A ironia da história é que o negócio não seguiu porque o preço da vacina da AstraZeneca foi tabelado internacionalmente e nenhum representante o poderia alterar. Como não conseguiu a “propina”, o Ministério da Saúde não avançou com o negócio. Bolsonaro terá sido informado de todo o processo e não mexeu uma palha. Só por isso, Bolsonaro merece o impeachment.
No caso da Covaxin, o processo é diferente, mas não é menos grave. Tendo existido uma grande aversão à entrada de vacinas contra a covid-19 no Brasil, a Covaxin, produzida na Índia, teve um processo de aprovação facilitado pela ação governamental. Aqui a acusação é múltipla: há a pressão que foi feita para a aprovação rápida da Covaxin, a criação de um esquema de intermediários que envolvia várias empresas em paraísos fiscais (os conhecidos offshore) e a superfaturação da vacina. Vale a pena comparar o tempo do processo de compra da Covaxin com o da Pfizer: enquanto o primeiro demorou 97 dias, o segundo levou 330 dias. Bolsonaro reconhece que foi alertado para o esquema de corrupção e nada fez, alega em sua defesa que o negócio não se realizou. Mas a intenção de corrupção também é crime, pactuar com isso faz dele um criminoso. Só por isso, Bolsonaro merece o impeachment.
A CPI demonstra que Bolsonaro e o seu governo estão no centro de enormes teias de corrupção, nas quais até os militares são figuras principais. Num dos momentos mais difíceis da sua história, o Brasil teve no seu Presidente alguém que virou as costas ao povo e à lei para benefício próprio e dos que o rodeiam: é criminoso e imoral. Só por isso, Bolsonaro merece o impeachment.
Um super impeachment deu entrada na Câmara dos Deputados, unificando mais de 100 requerimentos, e tem apoio de movimentos de esquerda e nomes da direita: reúne mais de 100 denúncias que imputam 23 crimes a Bolsonaro. E este fim de semana o povo brasileiro sairá à rua para exigir que seja levado até ao fim. O Presidente está dependente dos bloqueios que os seus amigos possam criar, como é o caso de Arthur Lira, o presidente da Câmara dos Deputados, mas as provas são impossíveis de negar. É cada vez mais uma certeza: o impeachment não só é inevitável, como uma questão de higiene democrática e reposição da legalidade.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico