Que plano de recuperação das aprendizagens?
O Plano de Recuperação das Aprendizagens recentemente apresentado pelo Governo enferma de uma perspetiva dirigista e centralista e parece não confiar nos professores, nas escolas e na sua desejável autonomia pedagógica e científica.
Pese embora o facto de a pandemia ter obrigado a dotar as escolas de mais funcionários e de mais alguns recursos digitais, o Plano 21/23 Escola +, Plano de Recuperação de Aprendizagens que o Governo recentemente apresentou para auscultação pública, não passa de mais um exercício algo idealista, demasiado genérico e impregnado de “eduquês”, porventura bem intencionado, mas que, de facto, está longe de assegurar uma melhoria substancial do processo de ensino-aprendizagem.
Até porque, apesar da narrativa do Governo, dos mais de 900 milhões de euros previstos aplicar neste Plano, ele apresenta como prioridade o investimento em infraestruturas e equipamentos e não em recursos humanos, pois para estes apenas está prevista a aplicação de cerca de 15% daquele valor.
Salvo o devido respeito por quem terá elaborado este Plano, não podemos deixar de dizer que o mesmo enferma de uma perspetiva dirigista e centralista, pois afirma algumas coisas que, em abstrato, até podem estar certas, mas que, no fundo, parece não confiar totalmente nos professores, no corpo docente, nas escolas e na sua desejável autonomia pedagógica e científica.
Reportando-nos apenas ao seu enunciado, pelo menos para já, não se alcança nenhuma alteração substancial no nosso sistema de educação e de ensino, pois, bem vistas as coisas, no fundo, trata-se fundamentalmente de reequacionarem os créditos horários das escolas e agrupamentos, nomeadamente no que respeita ao crédito horário das Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI) e também, por exemplo, do Desporto Escolar (v.g., de modo a que alunos, encarregados de educação e professores participem em atividades desportivas conjuntas!…).
Aquilo que mais importaria para o sucesso escolar das crianças e jovens, dos nossos alunos, não é, sequer minimamente, contemplado neste Plano. Se não, vejamos:
- Em parte alguma do dito cujo surge qualquer referência à diminuição do número de alunos por turma;
- Também não há nenhuma referência a um dos principais problemas que dificulta e, não raro, impede um regular processo de ensino-aprendizagem, que é a indisciplina sistémica. Aliás, tantas e tantas vezes relacionada com o elevado número de alunos por turma;
- Para aquela redução do número de alunos por turma (aliás, já prevista numa Resolução da Assembleia da República nesse sentido), seriam necessários mais professores, não apenas mais créditos horários, facto que este Plano ignora olimpicamente;
- Nada nele se refere sobre a necessidade de alívio do trabalho burocrático dos professores. Pelo contrário, aponta-se para a necessidade de haver mais reuniões, mais formações redundantes (superiormente determinadas pelo dirigismo centralista do ministério), mais elaboração de relatórios e evidências;
- Nada se refere sobre a necessidade de redução do número de turmas e de níveis por cada docente. Quando há professores que podem ter, no mesmo ano letivo, mais de cinco centenas de alunos, dificilmente, por mais que se esforcem, podem fazer um ensino personalizado e focado nas necessidades individuais de aprendizagem de cada um dos seus alunos.
Em suma, quem elaborou este plano parece não acreditar suficientemente na autonomia pedagógica dos professores, isto é, na sua profissionalidade docente.
Resta-nos esperar que, após a atual auscultação pública em curso, a versão final a plasmar em Resolução do Conselho de Ministros saia substancialmente melhorada.
Para melhor recuperarmos e dinamizarmos as aprendizagens dos alunos seria desejável a tão aguardada renovação do atual corpo docente, cada vez mais exaurido e envelhecido, dando lugar à passagem do testemunho e à integração natural dos professores mais novos.
Porém, tal realidade implicaria um regime específico e antecipado de aposentação de professores que nem a tão saudada e esperada bazuca quis acolher…
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico