Investir em educação, ou não?

Continuamos sem saber exactamente em que é que o Governo quer investir para recuperar uma geração: do que foi anunciado, apenas €230 milhões servem para recuperar as aprendizagens. No país com menos qualificações de toda a Europa, investir em educação parece continuar sem ser prioridade.

O primeiro-ministro e o ministro da Educação apresentaram, num PowerPoint, um “plano” de recuperação de aprendizagens “21-23 Escola+”.

Por incrível que pareça, passada mais de uma semana, o plano ainda não foi publicado, nem foi explicado ao país o mais importante: em que é que vai ser gasto o dinheiro? Quantos e que alunos apoia? Que escolas e professores mais precisam? O Governo não diz. Vamos por partes.

Em Junho de 2020, o ministro da Educação anunciou €125 milhões de apoio extra para “podermos reforçar as nossas escolas, principalmente com recursos humanos”. De que forma, e quanto desse dinheiro se gastou, ninguém sabe.

No dia 1 Junho de 2021, Dia da Criança, o governo falou em €900 milhões para os próximos dois anos lectivos para recuperar aprendizagens. Desses, €140 milhões serão para recursos humanos exclusivamente para o ano lectivo 2021-2022, 43,5 milhões para formação, €47,3 milhões para recursos digitais e, pasme-se, €670,5 milhões para “Apetrechamento/ Infra-estruturas”. O governo confunde e mistura, deliberadamente, aquilo que são despesas estruturais e conjunturais – em que medida é que o investimento em infra-estruturas tem impacto na recuperação de aprendizagens? Pergunta-se, ainda, quanto deste montante é que é despesa que já estava prevista, e quanto é que é de facto novo investimento?

O plano tem, claro, boas ideias e boas iniciativas, como dar mais autonomia às escolas. Ou até a promessa de criação de mais salas de educação pré-escolar, embora, neste caso, não seja clara, novamente, a relação directa às aprendizagens perdidas.

Por responder ficam inúmeras perguntas: quantos alunos e que escolas irão beneficiar deste plano? A autonomia das escolas vem acompanhada de medidas práticas que permitam executar, como autonomia orçamental? Como se fará o recrutamento e alocação dos novos recursos? Haverá prioridade para escolas e alunos mais desfavorecidos?

Olhando para os planos de recuperação de outros países, é impossível não questionar porque é que Portugal é o único país da Europa onde se acha que investir em infra-estruturas e apetrechamento ajuda os alunos no curto prazo. Não sabemos, e cabe ao ministro explicar. É inaceitável fazer um anúncio desta importância sem publicar os detalhes. Esta semana, esperemos que o faça.

Mesmo assumindo, com boa vontade, que o plano apresentado contém €230 milhões de novo investimento para recuperar aprendizagens, será isso suficiente? Se somarmos aos €125 milhões que já estavam prometidos, são €281 por aluno. Em Espanha, este montante ascende a €312, em Inglaterra a €405, a €1.767 nos Estados Unidos e €3.027 na Holanda.

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Mas porque é que tudo isto é importante? Em primeiro lugar, porque Portugal é o país menos qualificado da Europa – 47,8% dos portugueses em idade activa não tem o 12.º ano, o que contrasta com os outros países (38,8% em Espanha, 20,4% na Holanda, 19,9% no Reino Unido e 9,2% nos Estados Unidos). Foi a esta população, pouco escolarizada, que pedimos para ficar em casa a ensinar as crianças durante os confinamentos.

Em segundo lugar, e sem contar com o fecho das escolas em 2021, as perdas de aprendizagens devido à pandemia são muito significativas e os dados são claros. Em Portugal, só com o fecho das escolas em 2020, nem sequer metade dos alunos do 6.º e 9.º ano mostrou ter o nível esperado em conhecimentos elementares, no diagnóstico feito pelo Instituto de Avaliação Educativa (Iave). Mas também o impacto económico é devastador: €212 mil milhões de Produto Interno Bruto perdidos.

Por último, porque os mais pobres são os que mais sofrem. Portugal é um dos países em que a pobreza é mais determinante para os resultados escolares – os alunos pobres têm em média dois anos de atraso nas aprendizagens em relação aos seus colegas mais ricos. No Reino Unido, um dos países mais desiguais da Europa, esse valor é de cerca de metade. No início do ano tivemos oportunidade de demonstrar porque é que as crianças portuguesas se encontravam particularmente vulneráveis numa pandemia que afecta desproporcionalmente as crianças mais pobres.

Perante este cenário, o governo decidiu investir muito pouco, muito tarde e muito mal. Muito pouco porque, de acordo com o governo, o financiamento agora anunciado apenas chega para contratar 3300 docentes para recuperar aprendizagens até 2023. Sucede que esse valor é menos de metade do mínimo necessário para cobrir só os alunos do ensino primário durante um ano lectivo, conforme demonstrámos na proposta que apresentámos em Março de 2021, realizada em conjunto com o Pedro Freitas, a Susana Peralta, o Bruno P. Carvalho e a Ana Balcão Reis.

O investimento é tardio porque não prevê programas de Verão. Mesmo em tempos de normalidade, é sabido que as férias de Verão criam perdas de aprendizagens, deixando cicatrizes para a vida dos alunos, em particular, novamente, dos mais desfavorecidos. Este ponto é particularmente incompreensível, dado que Portugal é um dos países com maior extensão do período de férias na Europa.

As respostas, o governo preferiu não as dar. Esta semana, o ministro vai ao Parlamento. É uma excelente oportunidade para os deputados, a quem o governo tem o dever democrático de prestar contas, colocarem estas e outras perguntas. Ficamos à espera das perguntas e, se não for pedir muito, de (algumas) respostas.

Miguel Herdade é gestor de organizações sem fins lucrativos. Responsável por projectos relacionados com desigualdades educativas e integração social no Reino Unido, Portugal e Espanha.

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