Gbagbo regressa uma década depois à Costa do Marfim, ilibado pelo TPI

O ex-Presidente, que foi acusado de crimes contra a humanidade, foi recebido por milhares de apoiantes em Abidjan.

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Laurent Gbagbo disse estar "radiante" por regressar à Costa do Marfim, dez anos depois de ter sido preso LEGNAN KOULA / EPA

Quase dez anos depois de ser preso, o ex-Presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, regressou ao seu país, livre das acusações de crimes contra a humanidade. 

Gbagbo, Presidente entre 2000 e 2010, foi recebido no aeroporto de Abidjan na quinta-feira à noite por uma multidão de apoiantes. A concentração de milhares de pessoas levou a polícia a ter de recorrer a gás lacrimogéneo para dispersar os ajuntamentos, diz a Al-Jazeera.

No centro da cidade houve festejos, com multidões a entoar cânticos perto da sede da Frente Popular Marfinense (FPI), o partido do ex-Presidente. Foi lá que Gbagbo dirigiu as primeiras palavras após regressar ao país, dizendo estar “radiante” por voltar.

Gbagbo foi preso em 2011, acusado de crimes contra a humanidade e levado para Haia para ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Em causa estava o seu papel na eclosão de uma guerra civil em que três mil pessoas morreram, na sequência da sua recusa em aceitar a derrota nas eleições presidenciais de 2010 contra o actual Presidente, Alassane Ouattara.

O TPI confirmou em Março deste ano a decisão de ilibar Gbagbo – o primeiro ex-chefe de Estado a ser julgado pelo Tribunal de Haia –, permitindo o seu regresso à Costa do Marfim, após uma década a viver na Bélgica. Em Abril, Ouattara, confortado pela reeleição recente para um terceiro mandato, convidou o seu antigo adversário político a voltar ao país.

Reconciliação

O regresso de Gbagbo à Costa do Marfim abre um período de alguma incerteza e tensão no país africano. O ex-Presidente, de 76 anos, voltou a convite de Ouattara, que lhe concedeu todos os benefícios correspondentes a antigos chefes de Estado, incluindo um passaporte diplomático, uma pensão e segurança pessoal. O objectivo é garantir que sejam dados passos rumo a uma reconciliação nacional depois da guerra civil.

No entanto, há muitas críticas ao tratamento dado a Gbagbo, visto por muitos na Costa do Marfim, sobretudo familiares de vítimas da guerra, como responsável pelo conflito. “Isto cria impunidade e abre caminho para outros crimes”, disse à AFP o dirigente do Colectivo de Vítimas da Costa do Marfim, Issiaka Diaby.

Ainda assim, a reacção popular ao seu regresso mostrou que o ex-Presidente continua a manter uma base sólida de apoio. Alguns dos seus aliados “esperavam que participasse nas eleições presidenciais de 2020”, disse à Al-Jazeera o analista do Instituto de Estudos de Segurança, David Zounmenou. “Mas porque ele ainda aguardava a decisão final do TPI, acabou por não regressar.”

Embora se tenha livrado das acusações do Tribunal de Haia, Gbagbo pode ainda ser condenado pela justiça costa-marfinense a uma pena de 20 anos de prisão num caso em que é acusado de ter desviado dinheiro de um banco público.

Gbagbo chegou ao poder depois de mais de duas décadas na oposição e notabilizou-se por um discurso extremamente polarizador. Católico, manteve uma postura desafiante contra o Norte do país, maioritariamente muçulmano, mas também contra os imigrantes de países vizinhos.

O carácter agressivo da sua governação aprofundou as divisões da Costa do Marfim, abrindo brechas na unidade do país, que levaram à tomada de parte da região Norte por um grupo rebelde. Os combates permitiram que Ouattara adiasse por seis vezes as eleições presidenciais de 2005, acabando por se realizar apenas cinco anos depois. A sua recusa em reconhecer a derrota levou a uma guerra civil sem precedentes na antiga colónia francesa.

O regresso de uma figura tão divisiva como Gbagbo seria sempre um momento de enorme tensão, mas a esperança é de que abra finalmente o caminho para uma reconciliação nacional, escreve a correspondente da BBC em Abidjan, Valerie Bony: “Este país da África Ocidental quer que a paz nas suas fronteiras seja alcançada pela reconciliação do seu povo – se isso pode ser conseguido sem justiça para as vítimas das guerras civis, apenas o tempo dirá.”

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