Psiquiatra Pedro Afonso diz que teletrabalho deve ser opcional e misto

Num estudo que envolveu 143 pessoas, há uma semana publicado na revista de saúde pública Journal of Public Health, encontrou alterações no sono em três quartos da amostra

Foto
Daniel Rocha

O teletrabalho em regime exclusivo pode ter consequências na saúde mental, avisa o psiquiatra Pedro Afonso, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e da AESE Business School. Num estudo que envolveu 143 pessoas, publicado na revista de saúde pública Journal of Public Health, encontrou alterações no sono de 74%.

O investigador lembra que, por causa da crise de saúde pública, o teletrabalho foi imposto sempre que possível. Com maior ou menor esforço, “as pessoas conseguiram manter vários sectores a funcionar. Com o passar do tempo, gerou-se alguma ansiedade, surgiram sintomas depressivos muito associados à solidão. A solidão gera desligamento dos colegas e da própria empresa.”

O sentimento de pertença, sublinha, é muito alimentado pela partilha do tempo e do espaço. Partilhar pequenas contrariedades do dia-a-dia com os colegas ajuda a aliviar o stress. O contacto digital não admite a mesma proximidade. “Ficamos mais inibidos. Há uma barreira que se estabelece.” Não é só essa espécie de psicoterapia que se perde. Muitas boas ideias surgem numa conversa de corredor ou numa pausa para o café. “Impedir esse pequeno convívio informal limita a criatividade.”

Parece-lhe preocupante que 43% dos participantes apresentassem sintomas de ansiedade e 18 % revelassem sintomas de depressão, ambos associados a pior qualidade de sono e menos qualidade de vida. “Numa situação normal, temos uma hora para entrar e outra para sair do trabalho”, começa por explicar. O teletrabalho esbate essa separação, aumenta o sedentarismo e a exposição aos ecrãs dos dispositivos electrónicos. E tudo isso tem efeitos no sono. 

O psiquiatra reconhece, ainda assim, os méritos do trabalho remoto. “Alarga a possibilidade de uma pessoa ser recrutada, de trabalhar fora da sua área de residência”, exemplifica. “Como há menos movimentos pendulares entre a casa e o trabalho, há menos poluição.” Também há ganhos de produtividade que, no seu estudo, são mais reportados por mulheres que procuram equilibrar a vida profissional com a vida pessoal e familiar. Aumenta a flexibilidade, a autonomia na gestão do tempo e das tarefas. 

Na sua opinião, para conciliar o teletrabalho com a saúde mental, há dois critérios a ter em conta: primeiro, tem de ser opcional, não pode ser uma imposição, segundo, tem de ser em regime misto, não total.

Esta sexta-feira o Governo pôs fim à obrigatoriedade do teletrabalho, excepto nos concelhos de risco elevado de covid-19. “O regresso deve ser alternado”, recomenda Pedro Afonso. “As pessoas não devem voltar todas ao mesmo tempo ao trabalho presencial – por razões de saúde pública, mas também para garantir um processo de transição.”

O estudo incidiu sobre uma amostra de conveniência de ex-alunos da AESE Business School. Os dados foram recolhidos entre 6 e 22 de Agosto de 2020. Todos os participantes estavam em teletrabalho a tempo integral pelo menos há três meses. Antes da covid-19, todos trabalhavam no escritório. Um convite para participar foi enviado por e-mail a 4987 ex-alunos – 458 questionários foram preenchidos e 143 foram seleccionados por corresponderem aos critérios.

Sugerir correcção
Comentar