Costa Alentejana e Costa Vicentina: 7 praias que nos fazem mais felizes
Pelo Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, são dezenas e dezenas de praias surpreendentes, mais urbanas ou mais selvagens, todas dignas de muitos amores. Agora que a época balnear arranca em pleno, eis sugestões para todos os gostos para preparar o Verão num parque natural que ainda vive a várias velocidades e restrições. Sete mergulhos fresquinhos, sete maravilhas: Ilha do Pessegueiro, Furnas, Alteirinhos, Amália, Bordeira/Carrapateira, Arrifana, Cordoama.
Porto Covo: a praia da ilha do Pessegueiro também é uma bela ilha
Uma praia não é apenas uma praia, é todo um mundo. E, no caso deste canto de Porto Covo, que de tão cantado por Rui Veloso e um país inteiro se tornou uma canção natural, isso é mil vezes mais verdade. Há o extenso areal, aqui e ali rendilhado por conjuntos pequeninos de rochas que criam recantos egocêntricos, há as dunas que nos protegem, há uma paz familiar. Mas, acima de tudo, há uma ilha sempre nos olhos a tornar-nos cada um outra ilha - por outro lado, claro, há também há a “Manhattan” industrial de Sines a trazer-nos de volta à vida real.
Mas fiquemo-nos pela ilha: como nos acontece a todos, o seu maravilhamento começa logo no caminho, quando no serpentear pela velha estrada (prestes a ser requalificada), uma elevação no-la traz em postal perfeito ao olhar. “Ai, que beleza”, diz a nossa motorista Isabel, que não consegue deixar de desacelerar para fazer o postal entrar na sua devida slow motion. É aqui a foto que todos querem tirar, tirando as outras todas.
A ilha, de arenito dunar e guardiã de vestígios da Idade do Ferro, está apenas a 250m da costa e conserva memórias árabes e romanas. No horizonte, dá-nos “as ruínas do forte que coroa a ilha” do século XVI (a propósito: há visitas de barco no Verão). Tal como nós, a passarada gosta muito da ilha: gralhas, gaivotas, corvos marinhos e muitos mais ajudam à animação.
Agora com um parque de estacionamento arrumadito, com a fortaleza ao lado da praia a acolher-nos e o eficiente e muito procurado (e único) restaurante, a praia é uma alternativa perfeita e muito procurada pelas famílias. Nádia Silvestre e Nuno Fernandes vieram com o filho Tiago, de cinco anos, precisamente almoçar ao restaurante e ficaram pela praia. O casal andou de férias pela costa alentejana e agora encantou-se com este recanto. “Gostei muito porque é extensa, há espaço para todos”, diz-nos Nádia. “É muito bonito o enquadramento” com a ilha”, diz Nuno. Nunca tinham vindo aqui porque aquelas turbinas e chaminés lá ao fundo não são nada atraentes, mas, dizem, tentaram abstrair-se “um pouco”. “E eu também dei mergulhos”, quer sublinhar o pequeno Tiago, “com o pai, porque não sei nadar”.
“É um pequeno paraíso”, remata Nádia com um belo sorriso de fim de dia de praia antes do regresso a Lisboa. Talvez vão cantando o “roendo uma laranja na falésia / olhando o mundo azul à minha frente” do Veloso. Mas alguém rói laranjas? Sabe Deus. E onde está o tal pessegueiro? Idem. Aliás, nunca deve ter existido: o nome da ilha deverá derivar de “piscis” e da não da árvore, dizem os estudiosos, por ordem da fábrica de salga de peixe dos romanos que existiu aqui. Mas, deitados na areia, sejamos francos: factos?, nã, só nos interessa a poesia.
Longueira: Almograve: na praia das Furnas voamos entre mar e rio
Na margem sul da foz do rio Mira, o mar e o rio casam-se num abraço dado neste longuíssimo braço de areia. Chegámos aqui trazidos pelo vento e com o vento nos ficamos. O prazer do areal e das águas é garantido, mas isto não é praia para os mais sensíveis. É “sempre ventosa”, diz-nos logo João Mira, que anda por aqui a dar aulas de surf a pequenos grupos (Odemira continua sob restrições ao desconfinamento).
Mas vá, não é sempre-sempre, de vez em quando há só uma brisa suave. Aliás, não faltam fãs desta praia, quase todos, hoje, apetrechados com o seu corta-vento. É que o areal é extenso, a beleza do postal de Vila Nova de Milfontes do outro lado do rio é real com as praias de Franquia e do Farol, a união fluvial ao oceano dá-nos encontros únicos, em redor a natureza agreste do Sudoeste dá-se em grande.
Severiano Díaz está por aqui a construir castelos na areia com os filhos. Espanhol, apaixonou-se pela zona, tem cá casa e anda sempre entre Badajoz e Odemira. “Mais tranquilo, é outro turismo”, diz-nos, comparando a costa alentejana com a espanhola. “Gosto de tudo”, mais vento, menos vento. Há dias sem ventania, lembra Michael Costa, que anda a arrumar o bar-restaurante de praia que gere, junto ao passadiço que cruza este mundo, e terminando o menu, do polvo ao peixe, das omeletes às febras. “As pessoas gostam da praia porque é muito grande e dá espaço e distância para todos.”
Zambujeira do Mar: Alteirinhos, uma praia que é “um estado de felicidade”
Visão imaculada cá de cima da altíssima arriba, a praia dos Alteirinhos, a sul da Zambujeira do Mar, é quase sempre tranquila, tirando uma ou outra enchente (prevê-se Verão com lotação esgotada...). Parece, ainda sempre selvagem, mais já foi muito mais, outrora meca de filósofos da vida de todo o mundo – e todos eles a nu. Hoje em dia, com parque de estacionamento, uma longa escadaria (quase 200 degraus), é boa alternativa à praia central da aldeia, e muito requisitada por famílias bem vestidas, apesar de oficialmente naturista (metade dela).
Ainda assim, parece haver espaço para todos, pelo menos em maré baixa: longo areal, muitas pocinhas, tudo rematado por uma praia-anexa (Meia Laranja, Costas do Lajão), para lá de um grande rochedo (fácil acesso em maré baixa). Gente vestida e despida parece conviver sem problemas de maior, até porque o nudismo não desiste de marcar presença, apesar de em certos dias e marés os têxteis ocuparem quase todo o espaço.
E se durante o expediente a praia assegura dias prazenteiros, é tal a paixão que muita gente tem por ela que vai logo ao amanhecer, ou quando todos saem ao fim da tarde, para quase lhe “rezar”.
Com um pôr do Sol perfeito de Junho, de cores e traços inexplicáveis por palavras, passeia-se pela praia Isabela Silveira, 54 anos, nascida por estas bandas, com a sua cadela Kimmy. Só as duas e mais ninguém, até nós chegarmos. “Faço muita fotografia, ao mar e rochas, detalhes, poças, estrelas-do-mar, polvos”, diz-nos. “É muito bonita. E há os pássaros, as cegonhas com ninhos nos palheirões…”. Viveu muito tempo fora e diz que foi a natureza que a chamou de volta, que agora nunca mais se irá embora. “Isto tem uma energia fantástica”, “não há um mar destes em mais sítio nenhum”, garante. “Venho aqui às vezes quando não estão pessoas, só admirar; vivem-se aqui muitas emoções.”
Nota coisas menos boas, porém: a chamativa cascata, com um caudal que parece cada vez maior, traz água dos sistemas de regas e lembra as estufas vizinhas – ressalve-se, no entanto, que é a única com “zero poluição” da costa alentejana, segundo a associação ZERO. Sinais dos tempos, que têm trazidos outros problemas muito mediatizados em redor do tema estufas.
Mas nada disto demove Isabela do seu amor à praia. “Olha para isto, que paisagem é esta? Que maravilha é esta?”.
Brejão: o fado da praia da Amália é uma alegria
Vizinha da grande praia do Carvalhal, ideal para famílias, a praia que se celebriza com o nome de Amália tem um fado muito próprio. A única edificação que por aqui há é mesmo o antigo retiro da fadista, que fugia para cá sempre que podia - e é agora um turismo rural de luxo. Também conhecida como praia do Brejão, aldeia de que dista uns 2km, não lhe faltam atributos. Mas as surpresas começam antes de chegar à praia, por um curto caminho velho a partir da estrada.
Por um lado, podem “admirar-se” as grandes estufas que actualmente marcam também a imagem (e o noticiário...) do concelho de Odemira e que aqui chegam mesmo às portas do refúgio da Amália e do troço costeiro que dá acesso ao areal. Por outro lado, e melhor, pode admirar-se este fantástico troço que ao longo de centenas de metros, ladeado por arbustos e com o som do ribeiro a correr e da passarada, nos conduz por uma série de pequenos túneis vegetais - é, definitivamente, um dos mais belos caminhos até à praia.
Sempre com a casa que lembra a fadista do lado direito, descemos pela escadaria (agora segura e requalificada) até ao areal, de boa dimensão. Outra boa surpresa: este ano, está areada como nunca.
Mantendo ainda o seu ar de selvagem alentejana, entre grandes arribas e uma cascata a correr, a praia da Amália, na sua abertura em concha, é um verdadeiro ninho que, com acessos facilitados, parece acolher cada vez mais grupos familiares.
Quando se cansar do areal, tome um bom conselho: faça umas caminhadas pela costa - é que, quer para um lado, quer para o outro, há alguns dos mais bonitos troços da rota vicentina para admirar aqui. Tivesse o fado sido outro e Amália bem poderia ter bem cantado “Cheia de praia, cheia de praia me deito; e com mais praia, com mais praia m’alevanto”….
Aljezur: na Arrifana, surfamos todos, mas uns só com os olhos
É praia de encher o olho, com a sua estradinha a serpentear a arriba até ao areal, mas a primeira coisa que chama a atenção para quem a admira de cima é o mar repleto de ponta a ponta de surfistas. Quando chegamos, parece cheiinha, mas ainda achamos espaço. Para cada punhado de banhistas, um punhado de surfistas (estes parecem ganhar). “Protegida por altas arribas xistosas, forma uma espécie de pequena baía, sendo por isso a praia menos batida pelo vento e pela forte rebentação das ondas”, anuncia a autarquia. Hoje não parece.
No areal, com uns 500m de extensão, actuam oito escolas de surf e a praia é realmente uma meca procurada por turistas-surfistas de todo o mundo, como nos conta Zé Elias, 38 anos, instrutor de surf, incansável a dar instruções da areia aos desportistas nas ondas. A “Arrifana é especial”, garante, embora a ache melhor para o surf e afins do que para banhos – com tanta praia-maravilha por aqui, de Monte Clérigo ao Amado, da Amoreira ao Vale Figueira e Canal, não é para admirar. “Mas aqui há um ambiente muito saudável, os surfistas são pessoas em geral muito preocupadas e protectoras da natureza.” De facto, hoje a ventania parece deixar os banhistas no areal, só a admirar as artes do surf, e são realmente poucos os que vão dar um mergulho. Será medo das pranchas?
“Medo não, mas é sempre bom estar com atenção, especialmente em dias assim, porque há muitos surfistas”, resumem Cláudia Oliveira e Diana Alpoim, duas arquitectas do Porto, que estão de férias por esta costa e, apesar da concorrência praieira, não hesitam em escolher a Arrifana. “A paisagem natural é muito bonita” e “tem trilhos fantásticos”, destacam. Como são do Norte, até lhe apreciam a temperatura das águas: “As condições do mar para nós estão sempre óptimas”, riem-se.
A praia é belissimamente emoldurada. Além da cascata urbanizada de casinhas de férias, bares e restaurantes, num extremo, temos a fortaleza da Arrifana, garantia de boas vistas. Na Ponta da Atalaia, uma das mecas dos perceves, há mais história: são “vestígios do maior ribat muçulmano da Península Ibérica, um convento-fortaleza de grande valor arqueológico”, lembra a autarquia. E, claro, temos o monumento natural Pedra da Agulha, mil vezes fotografada como ícone de toda esta costa.
Aljezur: é Bordeira, é Carrapateira, é uma das mais belas praias onde cabemos todos
Esta praia pode ser tanto um amor à primeira vista como um amor a cada nova vista. Quem, depois de um cénico passeio por estrada desde Aljezur, estaciona junto à foz da ribeira e vê a “lagoa” seguida de uma gigantesca duna a lembrar um Saara em Aljezur só pode ficar (sempre) de boca aberta. Cruzar as águas doces e as dunas é só mesmo para quem tem grande amor à ideia de praia, um amor que vai para além da água-Mediterrâneo ou temperaturas da outra costa algarvia… Porque esta praia é assombrosa.
É a maior do concelho e dá-nos, além de uma largura sem fins, uma extensão de caminhada pelo areal de mais de 3km. Toda esta areia demarcada pelas arribas que se vão elevando cada vez mais oferece um pendor de mistério. Sempre com um ventinho, ou um ventão, claro está, que vai desenhando nas dunas e dunões como Deus manda.
As poucas pessoas que encontrámos mantêm uma distância social invejável. Caminhando quilómetros e quilómetros de um lado para o outro, parece uma praia tamanho de um país. “É muito ventosa, o mar é muito grande, os acessos são difíceis”, diz-nos Sandra Correia, 31 anos, que nos recebe no único bar da praia, que parece pequenino nesta imensidão, uma quase miragem. É o Bordeira Beach Bar da Carrapateira Surf School. Esta dualidade de nomes explica-se bem: “Antes, a ribeira cortava a praia ao meio”, explica Sandra, indicando as duas localidades vizinhas, ali a Carrapateira, mais além a Bordeira. “Agora já não, mas as pessoas usam os dois nomes como bem lhes apetece.” Mas esta praia, garante, “é especial, e as pessoas que vêm para cá também”, sorri. “É uma praia linda!”
E ainda mais linda para quem quer tranquilidade e privacidade. E encher corpo e alma de praia, talvez até com uma misteriosa névoa carregadinha de sal. Seja pelo passadiço ou pelas vistas do Pontal da Carrapateira, e especialmente pelas longas caminhadas que a praia permite, há definitivamente uma beleza incomensurável por aqui. “A mais bonita praia de Portugal”, não tem dúvidas o suíço Klaus, que está a começar a cruzar a praia com a mulher, Edith. “Serão mais umas horas de prazer”, sorri, contando que há uns 12 anos que vem passar férias para a zona e “especialmente por causa desta impressionante” Bordeira. “O som das ondas, o cheiro, é tudo maravilhoso”, diz-me. “Só nos sentamos para descansar.” Têm 80 anos e uma alegria juvenil por terem acabado de chegar à “sua” praia. Como nós.
Vila do Bispo: Cordoama, um cenário selvagem numa praia de amores bravios
Chega-se ao areal como quem chega a outro mundo. A serpentear pela estrada, por entre vales altivos, a paisagem parece ir ficando mais e mais agreste. A praia recebe-nos com um areal que parece não ter fim e as suas arribas, para um lado e para o outro, erguem-se num negrume único, um cenário cósmico. Por aqui, não faltam os surfistas e companhia, mas isso é só no ponto central. Caminhando quilómetros para sul (assim chegando à vizinha praia do Castelejo) ou para norte (até à praia da Barriga), podem passar-se horas entre água e areia sem ver ninguém.
“Impressionou-me muito. Não imaginava que existisse um sítio ainda tão selvagem. Andas, andas e não encontras ninguém”, diz-nos Ana, visitante espanhola, que com o namorado, Adrián, andam há um mês a fazer a costa, vindos de Valência. Esta é a praia que mais os impressionou. Andam quase colados, um Adão e Eva no paraíso, e parecem existir só eles os dois. Parece que só à chegada do repórter é que se lembraram que o resto do mundo também existe.
Ao longo da praia, para um lado e para o outro, as arribas elevam-se a mais de cem metros. Já se sente a agreste ponta de Sagres, claro, e nos ares o odor a maresia é intenso. Num extremo, o miradouro natural do Castelejo oferece vistas de tirar o fôlego.
Por entre monumentos rochosos, a água a criar poças, um riacho que corre, há algo de prístino aqui, algo muito perto de um certo paraíso.
Nota: à hora do fecho desta edição não estavam ainda concretizadas as restrições relativas à pandemia para cada concelho, sabendo-se que Odemira não avança no desconfinamento. Verifique em publico.pt mais informações.