Os palestinianos não são o Hamas
Se criticamos o fundamentalismo ideológico da mistura da religião com a política, em países como o Irão, a Arábia Saudita, o Paquistão, e outros, temos que criticar o fanatismo israelita.
A pior coisa que podemos fazer pela causa palestiniana é defender o Hamas. Os venezuelanos não são o Nicolas Maduro, os afegãos não são os Taliban, os russos não são Vladimir Putin, e os palestinianos não são o Hamas. O Hamas é um partido político com uma ideologia extremista, fundamentalista, radical, repressora e que tem de ser combatida a todos os níveis. O Hamas usurpou o poder na Faixa de Gaza desde 2007 e não permite eleições, nem qualquer espécie de liberdade de expressão do seu povo. Como qualquer grupo de fanáticos usam a religião para instrumentalizar, doutrinar e fomentar ódios.
A maioria das vezes, de uma forma velada, outras de uma forma bem directa, o que eu senti em todas as conversas que tive com as pessoas de Gaza foi uma crítica ao Hamas quase tão forte como a crítica às políticas sionistas de Israel. Liberdade religiosa, independência das mulheres, orientação sexual, liberdade de expressão, democracia, etc., tudo está comprometido no olhar fanático do Hamas.
Defender a causa palestiniana não é, nem deve ser, legitimar o Hamas, ou relativizar as suas acções. Eu sei que é muito difícil esta questão não se tornar politizada e polarizada, mas tem de haver espaço para se dissecar os atentados repetidos e continuados aos direitos humanos, numa estratégia clara de acabar com a existência da Palestina, por parte do estado de Israel, sem que o contraponto seja ao radicalismo do Hamas. Ao mesmo tempo não podemos descansar as nossas opiniões no rótulo de que o Hamas é considerado um grupo terrorista para que a narrativa seja incontestável, e aceitar que o poder e a riqueza de Israel abafem a sua criminosa intervenção na Palestina.
Ficamos sempre perdidos nas explicações históricas e nas interpretações políticas, e tristemente torna-se quase sempre uma questão de direita e esquerda em Portugal e no mundo, mas eu não acredito que alguém com um pingo de humanidade veja os colonatos israelitas, dentro da Palestina, e sinta que, à luz da melhor interpretação dos valores humanos dos dias de hoje, aquele fenómeno é aceitável. Os colonatos são ilegais, e mais do que isso, são moralmente revoltantes. Se conseguirem atravessar a Palestina, de Nablus a Hebron, e contemplarem a existência dos colonatos sem trazer uma revolta interior é porque desconhecem o sentido de bondade e empatia. Se criticamos o fundamentalismo ideológico da mistura da religião com a política, em países como o Irão, a Arábia Saudita, o Paquistão, e outros, temos que criticar o fanatismo israelita.
É muito difícil exercer um pensamento humanista, sem ser contaminado por qualquer mensagem política, mas é possível. Temos de parar de rebobinar a cassete eternamente, e acabar com o “whataboutismo” de barbáries, para isoladamente sermos capazes de impedir a perpetuação do sofrimento de seres humanos, em que o único crime que cometeram, foi terem nascido no local errado do planeta. Se temos dúvidas sobre a moralidade da questão, pensemos quem é que são os condenados à nascença? Será necessário explicar quais são as perspectivas de vida de quem nasceu em Gaza? Ou a violência imposta pelos colonatos? Ou a tortura de viver murado do resto do mundo?
Qualquer generalização é imprecisa, e é redundante dizer que conheci israelitas incríveis e palestinianos execráveis. Mas o que eu sei que não é aceitável, nem justo é contrapor as agressões de Israel, e as suas intenções de aniquilar a Palestina, com o fanatismo do Hamas.
Os palestinianos não são o Hamas.