José Avillez: “Seria essencial” canalizar dinheiro da bazuca para “divulgação do turismo e gastronomia”
Os últimos 14 meses foram “uma merda”. O Grupo Avillez foi obrigado a fechar alguns espaços, a reestruturar-se, mas José Avillez já olha para a retoma com algum optimismo prudente. Vai haver música ao vivo no Mini-Bar e uma aposta forte no Belcanto. “Trabalhamos para a terceira estrela”.
Não foi fácil. No programa Pratos Limpos, do espaço Ao Vivo do PÚBLICO, o chef José Avillez usou mesmo uma palavra que, segundo o próprio, habitualmente não usa: “Foi uma merda”. É assim que descreve o que se passou no universo da restauração em geral, e do Grupo Avillez em particular, nos últimos 14 meses. A pandemia de covid-19 veio interromper um caminho que parecia continuar a abrir-se aos restaurantes e chefs portugueses.
“Até 2019, Portugal era o país com mais turismo per capita. Pensamos muito pouco nisto”, disse-nos durante o programa. E, precisamente por isso, quando olha para o Plano de Recuperação e Resiliência, que aproveitará os fundos europeus para a retoma, preocupa-o “a falta de fundos alocados à área de divulgação e propaganda turística”, na qual inclui a divulgação da gastronomia. “Seria essencial” canalizar algum do dinheiro da chamada bazuca para a “divulgação do turismo/gastronomia”.
Tem, acredita, boas razões para afirmar que a gastronomia tem sido fundamental no boom do turismo nacional. “Tinha centenas de clientes que decidiam as suas viagens para virem ao Belcanto (duas estrelas Michelin, Lisboa). Não digo que não fico vaidoso, mas não é só convencimento, é a pura das verdades. Chegámos a ter pessoas que vinham só jantar, de Nova Iorque, e deixam dinheiro nas companhias aéreas, nos hotéis, e acabam por contribuir para o país todo.”
Daí que, para além da preocupação, tenha também uma crítica a fazer: “Sou muito crítico do que se passa [a nível] de oferta cultural em Lisboa, acho que tem que crescer muito”. Com o Canto – um dos projectos que, na sequência da pandemia teve que sacrificar – tentou contribuir para essa oferta cultural na área da música, explica, recordando que por esse espaço, nas antigas instalações do Belcanto, passaram muitos artistas – Ivan Lins, Mariza, António Zambujo, Miguel Araújo, César Mourão, Ana Moura, além do pianista e dançarinos da Madonna, entre outros. “Criámos experiências extraordinárias. Podíamos investir na cultura e aquele projecto era claramente de investimento na cultura portuguesa e um projecto onde assumidamente íamos perder bastante dinheiro todos os meses.” No momento actual, “deixámos de poder fazer isso”, sublinha.
No espaço do Canto vai abrir um projecto novo, que ainda não pode revelar. E, entretanto, no Mini-Bar, que, tal como a Pizzaria Lisboa, passou a funcionar dentro do Bairro do Avillez (uma forma de poupar rendas, na lógica de corte de custos que teve que ser aplicada no último ano), recomeçam agora os concertos de música portuguesa, nomeadamente com “novos talentos”.
O emagrecimento foi duro. “No início de Abril tomámos decisões muito complicadas de não renovar contratos, chegar a acordo com alguns trabalhadores, fechar em definitivo alguns espaços, tentar secar ao máximo toda a estrutura e todos os custos para sobreviver. Foi a ideia de ter um barco que estava pesado e que ia ao fundo se não tirássemos algumas coisas lá de dentro. Isso implica tomar decisões que dificilmente voltam atrás, assumir perdas avultadíssimas em espaços que se abandonam de vez.”
Custou-lhe, acima de tudo, perder pessoas com quem trabalhava. Mas olha o actual desafio com algum optimismo. “Temos agora uma oportunidade de começar de novo com muito mais conhecimento. Não sou muito agarrado a bens materiais. Perdemos tudo o que tínhamos construído nos últimos quatro anos, em termos financeiros […] mas temos aqui a oportunidade.”
E, nessa oportunidade, uma aposta essencial é o Belcanto. “Não está em cima da mesa pormo-nos a abrir mais restaurantes na retoma. Temos o Belcanto, onde vamos investir mais do que nunca. Foi o único espaço onde não saiu ninguém da equipa, renovámos todos os contratos para conseguir não ter qualquer tipo de hesitação na abertura”.
E, como “depois da pandemia podemos assumir mais coisas”, diz claramente: “Trabalhamos para a terceira estrela Michelin, mas que venha na consequência de termos vindo a melhorar”. Receia, contudo, que a conjuntura atrase tudo. “Já tivemos um ano perdido, podemos ter outro. Não tivemos as visitas de inspecção necessárias para uma terceira estrela.” Deixa, no final desta conversa, um desejo, que é também um apelo ao Guia Michelin: “Que olhem para Portugal da mesma maneira que olham para Espanha”.