No melhor MBA online do mundo, não se pede à tecnologia o que é dos humanos
A mudança para o ensino à distância em 2020 apanhou escolas desprevenidas. Na IE Business School, usou-se 20 anos de experiência digital. O que nos mostra?
Número dois no ranking do Financial Times e número um na lista da QS, o Instituto de Empresas (Espanha) é a escola com a melhor avaliação internacional no MBA online. “Há 20 anos que apostamos no digital”, sublinha Ignacio Gafo, actual responsável por este programa.
As escolas de negócios são das mais apetrechadas do mundo. O modelo em que assentam garante-lhes dinheiro. Dinheiro permite-lhes contratar os melhores e oferecer boas condições. Isso atrai novos candidatos a melhores. Porém, quando a pandemia bateu à porta e impôs o ensino à distância, muitas dessas escolas, que concorrem pelos candidatos numa arena cada vez mais global, foram apanhadas em contrapé.
“Se perguntassem a um professor, antes da pandemia, por aulas online, ouviríamos cinco ou dez razões para não o fazer”, afiança Nick van Dam, chief learning officer da IE University. Em Madrid e Segóvia, também foi preciso acelerar. Mas a aposta de longa data em cursos exclusivamente online, bem como a experiência adquirida na formação combinada (modelos híbridos ou blended, na gíria destas escolas), permitiu fazer uma transição bastante mais segura e tranquila.
“A vantagem do IE é que levámos 20 anos a promover a aprendizagem em ambiente digital. Logicamente, isso facilitou muito no plano de sistemas, de infra-estruturas, de formação, de preparação de docentes. Quando fomos obrigados a mudar os cursos presenciais para o online, já tínhamos muito caminho feito. Só não se fez um ‘corta e cola’ porque há sempre alguns ajustes, dada dinâmica ser distinta”, observa Ignacio Gafo.
O tom de auto-elogio é admissível. São os candidatos, o mercado e as avaliações externas que põem o ensino online do IE no topo. O que significa que o melhor exemplo para as escolas portuguesas está, afinal, já aqui ao lado em Madrid e Segóvia, as duas cidades onde o IE tem os seus campi.
O ensino remoto exige um requisito tecnológico, mas como salienta Nick van Dam, não se pode pedir à tecnologia que resolva aquilo que depende do factor humano. “Podes ter o último grito em plataformas de ensino, mas se os docentes desconhecerem a pedagogia digital ou se não tiverem treino adequado para ensinar nesse ambiente, tudo se desmorona.”
Qual é então a receita do MBA online do IE, que há quatro anos consecutivos ocupa o primeiro lugar na tabela da QS e o segundo na lista do Financial Times (atrás da escola de Warwick, que cai para terceiro no ranking da QS)? Porque se distingue da concorrência e o que faz para entregar valor numa formação remota? Num tipo de ensino com muitas barreiras à entrada, em que a selecção é apertada (porque aprender com quem está ao nosso lado é uma das propostas de valor destas escolas), como se satisfazem expectativas?
O MBA online do IE é uma formação mais longa do que outros cursos daquela escola (18 meses em vez de um ano). Ignacio Gafo destaca dois componentes: tecnologia e metodologia. Mas antes de tudo o resto, “rigor académico”, que passa tanto pelo conteúdo como pela forma como se trabalha esse conteúdo.
Até na versão online, o ensino não é 100% digital. “Há sempre alguma componente presencial, temos pelo menos três momentos desses”, resume o mesmo responsável.
No fundo, é preciso perceber primeiro que os cursos online exigem um perfil específico: há candidatos que valorizam a possibilidade de não terem de viajar, o tempo e o dinheiro que poupam com isso, a flexibilidade. Depois de os identificar, é preciso perceber que há coisas que funcionam melhor em presença: trabalhar a interacção (o “networking”), tal como o desenvolvimento de competências de comunicação, negociação, “que são muito difíceis de construir num ambiente online”.
Algumas dúvidas sobre o online acentuaram-se quando muitas escolas (tal como muitas empresas) se limitaram a transferir para o online aquilo que antes faziam em sala, como reconhece Nick van Dam, alertando que “isso não chega”. “Mesmo as plataformas que hoje todos usamos, o Zoom, o Teams e outras, não foram criadas para ensinar e aprender”, vinca.
Por isso, na IE desenvolveu-se a componente tecnológica, com plataformas próprias às quais foram acrescentadas inteligência artificial que permite, por exemplo, sinalizar ao docente, em tempo real, o grau de envolvimento dos alunos.
Ignacio Gafo também compreende as dúvidas, mas afiança que, no IE ou em qualquer outra escola, “a metodologia online é superior em muitas coisas à presencial”.
“A discussão de um caso de estudo em sala é feita em 80/90 minutos, se os alunos chegarem à sala preparados. Já num formato online, abrimos um fórum de debate e, de forma assíncrona, analisamos o mesmo caso durante quatro dias”, exemplifica.
“Mas não só. Pensemos nos mais reservados, que resistem a participar num ambiente físico. Num formato digital, sentem-se mais seguros e motivados.”
Os professores são treinados (evitar exposições longas, colocar a voz para uma sala virtual) e são preparados materiais de suporte, como “vídeos, exercícios, simulações, jogos”. “Tudo o que tínhamos concebido para os nossos programas online nos últimos 20 anos já era usado nos cursos presenciais, mas quando estes foram forçados a transferir-se para o ambiente digital, claro que foi preciso adaptar, mas havia já muito feito.”
José Esteves, dean dos cursos de MBA presenciais nesta escola, é português, de raízes transmontanas, e dirige o Tech MBA, que só aceita candidatos com formação em ciências, tecnologia, engenharia ou matemática. Também dá aulas no MBA online, que é frequentado por alunos que “têm consciência do que implica um ensino remoto”.
O importante, frisa, é que a tecnologia e a metodologia estejam alinhadas. Quem assiste a uma aula presencial, mas à distância, tanto ouve o professor como o som ambiente, fornecido por microfones estrategicamente colocados. “Foi tudo estudado, medido, é toda uma engenharia”, diz Esteves.
Num cenário em que já se torna difícil por via do currículo conseguir diferenciar-se, é o factor humano e alguns destes detalhes tecnológicos que podem dar mais consistência ao ensino online que, segundo Nick van Dam, “veio para ficar”.