À terceira edição, o Ciclo Terra vê e ouve o Brasil
O Ciclo Terra cresceu: há quatro concertos para ver e, este ano, o certame abraça o cinema documental. Organizado pela Capivara Azul, o evento arranca em Maio e estende-se no calendário com propostas de várias geografias, com destaque para o Brasil, até Outubro.
Entre Maio e Outubro, Guimarães volta a abraçar os sons de outras geografias e encaixa-os numa sala de concertos. Mas a música que se faz em sítios distantes da cidade vimaranense não cabe em quatro paredes; atravessa-as, inunda o piso, sobe as escadas, lança-se sobre espaços vários. E dialoga com outras manifestações artísticas presentes no espaço em que se encontra — por tudo isto, há-de vibrar para lá das portas de entrada do Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG), aonde o Ciclo Terra, na sua terceira edição, volta.
A programação do evento, promovido pela associação cultural Capivara Azul, foi apresentada esta quinta-feira. Desta vez, a associação decidiu arriscar e olhar para o evento “de forma mais ambiciosa”, disse Luísa Alvão, presidente da Capivara Azul. Assim, e para além de crescer o número de concertos (este ano são quatro, mais um do que o habitual), o Ciclo Terra torna-se também num evento dedicado ao cinema documental, já que serão exibidos quatro filmes de um número igual de realizadoras brasileiras.
Exclusivamente feminina, a programação guia-se por um mapa em que os dedos percorrem diversas longitudes, mas é precisamente o Brasil o país para o qual se olha “com especial atenção”. Selma Uamusse abre o Ciclo Terra no dia 21 de Maio. Com a cantora e compositora moçambicana, a black box do CIAJG receberá a imensidão rítmica que pauta a sua discografia — Mati (2018) e Liwoningo (2020) —, que se estende pelos ritmos africanos, pela electrónica ou pelo rock, por exemplo. A intenção da associação vimaranense em olhar atentamente para o Brasil concretiza-se logo aqui: o último disco de Selma Uamusse foi produzido por Guilherme Kastrup, produtor premiado com um Grammy pelos álbuns de Elza Soares.
Depois, a 16 de Julho, há mais música brasileira com Ayom, uma banda com pés em vários cantos do globo. À voz da brasileira Jabu Morales juntam-se músicos de Angola, Grécia e Itália, que vivem entre Barcelona e Lisboa. É a música popular brasileira (MPB) a abrir a porta a influências afro-latinas, afro-portuguesas e mediterrâneas — no fundo, som sem fronteiras. O ciclo encerra a 31 de Outubro com a bússola apontada para o mesmo território. Da imensidão cultural que pulsa em Salvador, sai também música com discussões sobre luta, política e revolução dentro: é o caso de Luedji Luna, que cruza a MPB com o R&B, o jazz e o blues.
Ver, ouvir e reflectir
Antes desse concerto, o Ciclo Terra dá a possibilidade de se carimbar o passaporte com outro destino. A 1 de Outubro, o evento recebe Liu Fang, artista chinesa residente no Canadá. O L’Actualité referiu-se a Liu Fang como “a imperatriz da pipa”, um instrumento tradicional chinês; para além disso, Liu Fang também se lança (e com sucesso) sobre as cordas da cítara chinesa guzheng. Este é um dos exemplos onde a “profunda proximidade do Ciclo Terra com o CIAJG”, como caracterizou a directora artística d’ A Oficina, Fátima Alçada, se concretiza: naquele espaço também é possível visitar a colecção de arte antiga chinesa de José de Guimarães. Aliás, os bilhetes para os concertos, que têm o custo de 10 euros, permitem visitar gratuitamente as exposições do CIAJG e, claro, dão acesso ao ciclo de cinema documental. Todos os concertos começam às 19h00.
A proposta para o cinema segue a linha geográfica que se impõe sobre a programação musical. E não é só por Portugal e Brasil partilharem “a língua, a história e a cultura”. “O Brasil é um dos palcos onde as questões como os discursos anti-racistas, pós-colonialistas e feministas estão a ser discutidos”, explicou Luísa Alvão. O primeiro documentário a ser exibido é A Febre, de Maia Da-Rin, a 22 de Maio. A 17 de Julho há Chão, de Camila Freitas, para ver. As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, chegam ao CIAJG a 2 de Outubro; por último, a 30 do mesmo mês, será exibido Baronesa, de Juliana Antunes. Todos os documentários são exibidos às 17h00.
Para a vereadora da cultura da autarquia vimaranense, Adelina Paula Pinto, “são estas sinapses” que fazem acontecer a cultura: o cruzamento entre diferentes expressões artísticas e a colaboração entre associações como a Capivara Azul e A Oficina, a cooperativa responsável por vários equipamentos culturais de Guimarães. Adelina Paula Pinto realçou ainda “o pensamento de territorialização destes equipamentos” e o que a sua influência sobre o concelho e as pessoas. O Ciclo Terra fá-lo através do seu “inconformismo” — “É tão mais fácil dizer que não vamos arriscar”, apontou a vereadora —, mas também por ser “uma lente de observação do mundo”.
O evento conta com um financiamento de 13 mil euros por parte da autarquia, através do programa IMPACTA.