Especialista diz que Estado só pode propor alternativa a Montijo após acordo com ANA falhar

Pedro Matias Pereira esclareceu no Parlamento que a sua opinião se baseia nos documentos que são públicos, nomeadamente o contrato de concessão celebrado entre o Estado e a empresa.

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Acordo de financiamento para a construção do aeroporto no Montijo foi assinado em Janeiro de 2019 Nuno Ferreira Santos

O contrato de concessão entre o Estado e a ANA/Vinci não prevê que o primeiro proponha uma alternativa à localização do novo aeroporto, a não ser que as duas partes não cheguem a acordo, disse o advogado Pedro Matias Pereira.

“O que não me parece estar previsto no contrato é que o Estado proponha uma solução para o novo aeroporto de Lisboa, uma alternativa [...]. Ou seja, não é que o Estado não o possa fazer, está previsto que possa, mas só está previsto que o Estado o possa fazer no caso de se ter frustrado o acordo [...] e isso ainda não ocorreu”, explicou o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, especialista em contratação pública, ouvido esta manhã na comissão parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação.

Pedro Matias Pereira esclareceu que a sua opinião se baseia nos documentos que são públicos, nomeadamente o contrato de concessão de serviço público celebrado entre o Estado e a ANA/Vinci para a exploração aeroportuária no país.

Segundo a sua interpretação, o que está previsto no contrato é que seja a ANA a propor uma localização para o novo aeroporto de Lisboa, ou seja, “goza do direito de apresentar ao concedente uma proposta”, durante 36 meses, que começam a contar no momento em que o Estado confirma ao concessionário que quer que ele prepare uma candidatura ao novo aeroporto de Lisboa.

Na sequência da apresentação dessa candidatura, que ainda não aconteceu, as partes tentam então chegar a um acordo relativamente a uma localização.

“Só se esse acordo não fosse possível é que o Estado readquiria esse direito de propor a nova localização. [...] O que me parece termos hoje é o Estado a propor”, acrescentou Pedro Matias Pereira.

O advogado disse que as propostas que estão agora em cima da mesa no âmbito da avaliação ambiental estratégica com a qual o Governo decidiu avançar depois do “chumbo” à localização Montijo por falta de parecer favorável de todos os municípios envolvidos, nomeadamente a “repescada” hipótese de Alcochete, “não está propriamente prevista no contrato” de concessão.

“Ao mesmo tempo, também se percebe que o aeroporto de Lisboa, o tráfego aeroportuário de Lisboa é uma parte essencial do contrato. Se o aeroporto de Lisboa, por alguma razão, sair deste contrato, qualquer das partes tem poder de resolver o contrato. [...] A ANA tem o direito a ser indemnizada como se o Estado tivesse incumprido o contrato”, esclareceu.

Desta forma, “o Estado só está a salvo de uma indemnização na medida em que negoceie com a ANA a integração da sua alternativa no contrato de concessão, senão a própria ANA pode resolver o contrato”, sublinhou.

Pedro Matias Pereira lembrou também que, qualquer das alternativas que sejam prosseguidas estão sujeitas a fiscalização dos tribunais e de terceiras partes interessadas no contrato, que podem sempre vir a alegar que não tinha conhecimento prévio das modificações ao contrato.

“Os contratos públicos, especialmente os de concessão, não podem ser livremente modificados ao longo da sua vigência [...] porque o risco é precisamente o de frustrar as exigências pesadas da concorrência prévia. Um contrato modificado é um em relação ao qual a concorrência anterior não funcionou”, afirmou o advogado.

Deste modo, as condições de transparência e concorrência do processo só são garantidas se o universo concorrencial que se preparou para ficar com a concessão em causa tivesse conhecimento de que poderiam ocorrer modificações.

“O que se exige é que a possibilidade de modificar o contrato seja logo prevista no início do concurso, para toda a gente estar a par”, esclareceu Pedro Matias Pereira.