Algarve em risco de ser a primeira região com “travão” no desconfinamento
De acordo com os dados apresentados na reunião no Infarmed, o Algarve tem uma incidência a 14 dias de 131 casos por 100 mil habitantes. E segundo a DGS, o R(t) está agora em 1,05. Autarcas de Alcoutim e Lagoa dizem que a situação dos seus concelhos está a ser prejudicada por casos em municípios vizinhos.
A região do Algarve ultrapassou o limite dos 120 casos por 100 mil habitantes a 14 dias, o limite imposto pelo Governo no plano de desconfinamento apresentado em Março. Este dado foi revelado pelo epidemiologista Baltazar Nunes na reunião de peritos que teve lugar esta terça-feira, na sede do Infarmed.
No gráfico que detalha a incidência regional do vírus, Baltazar Nunes explicou que a região algarvia já está acima do limite, situação que o país poderá atingir nas próximas semanas. Também a Região Autónoma da Madeira já está acima desta meta.
“No país, com este nível de crescimento e taxa próxima de 71 casos por 100 mil habitantes, o tempo para chegar à linha dos 120 está entre duas semanas e um mês. Este mesmo valor pode ser observado na região Norte e no Alentejo, que estão identificadas com uma velocidade de crescimento e taxa de incidência que levarão entre duas semanas e um mês [a atingir] os 120 casos por 100 mil habitantes. A região do Algarve já atingiu esse valor e a região da Madeira também”, resumiu Baltazar Nunes.
Baltazar Nunes diz ainda que Madeira e Açores podem chegar aos 240 casos por 100 mil habitantes – limiar que dita uma regressão no desconfinamento – nas próximas duas semanas, a manter-se o índice de transmissibilidade do vírus.
De acordo com os dados usados por Baltazar Nunes, o Algarve tem uma incidência a 14 dias de 131 casos por 100 mil habitantes. Na Madeira, a região com maior incidência no país, este valor já atinge os 180,5. Os Açores também se aproximam deste limite, com 118,6.
Como António Costa explicou na apresentação da matriz de risco, o valor de 120 casos por 100 mil habitantes é um dos limites para definir uma suspensão do desconfinamento. Em conjugação com outro indicador, o índice da transmissibilidade do vírus (que tem que estar abaixo de 1), será avaliada a segurança na progressão da reabertura de negócios e outras actividades.
O R(t) na região que, há uma semana era de 1,19, baixou, entretanto, para 1,05, “sugerindo o desacelerar do aumento da incidência na região”, conforme se lê no último relatório de monitorização das linhas vermelhas para o desconfinamento, divulgado no sábado pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) e pelo Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge (Insa).
Autarcas falam em “solidariedade” e “desilusão"
Osvaldo Gonçalves, presidente da câmara de Alcoutim, diz que o seu concelho “está numa situação muito ténue” por causa dos resultados positivos de trabalhadores de duas grandes obras que estão a decorrer no município. “Quando aparecem casos dentro do núcleo das empresas, eles acabam por ficar agregados aqui ao município. Estes casos, que não são detectados em residentes, depois são contabilizados no nosso total de casos por 100 mil habitantes e isso prejudica-nos”.
Alcoutim tinha, segundo os últimos dados da DGS, uma incidência de zero casos por 100 mil habitantes. O autarca avança que, nos últimos dois dias, não foi detectado nenhum caso positivo no concelho. “Temo que a qualquer momento, e fruto de algumas destas acções de rastreio, isto nos possa vir a afectar. Mas se a região em si for penalizada teremos que ser solidários e adoptar medidas que possam vir a ser necessárias. Isto está obviamente associado às nossas características enquanto região turística e a nossa dimensão territorial não permite que nos retalhemos muito em concelhos porque aquilo que acontecer em Tavira ou em Vila Real de Santo António vai afectar Alcoutim”.
Já Luís Encarnação, presidente da câmara de Lagoa, fala num sentimento de desilusão e diz que, à semelhança do que acontece noutros concelhos, também o seu está a ser afectado por casos dos municípios vizinhos. “É verdade que temos aqui em Lagoa um problema com um concelho vizinho [Portimão], que está devidamente identificado num sector em concreto e que está a ser acompanhado, mas nos últimos dez dias tivemos dez casos. Tem havido um esforço de todos os lagoenses para controlar a evolução dos números que estávamos a ter. Nunca chegamos a estar num risco elevado e agora estamos ligeiramente acima do risco baixo”, diz ao PÚBLICO.
Lagoa tem, nesta altura, cerca de 180 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias. O autarca afirmou ainda que é preciso não esquecer que a região do Algarve vive do turismo e que os empresários “estão há muito tempo parados”. “Se não se der seguimentos ao plano que estava anunciado vejo isso com alguma decepção porque nos últimos dias vi muitos estabelecimentos a lavarem as mesas, os toldos, as vidraças, a prepararem tudo”.
O PÚBLICO contactou também os autarcas de Portimão e Albufeira, que não quiseram prestar declarações.
Óscar Felgueiras defende cálculo ajustado
O matemático Óscar Felgueiras abordou esta terça-feira as vantagens e desvantagens na medição da “incidência vizinha”. Este conceito prende-se com a medição dos indicadores epidemiológicos dos concelhos limítrofes, no momento da avaliação de risco da pandemia em determinada localidade. Esta abordagem tem como objectivo último perceber se é seguro avançar com o desconfinamento em determinado território.
De acordo com o matemático, é necessário fazer um cálculo ajustado destes indicadores, de modo a traduzir com maior rigor o risco nos concelhos – não sobrevalorizando o impacto do baixo número de casos em pequenas populações, como acontece na medição tradicional da “incidência vizinha”.
Clusters no Algarve e Alentejo
A directora da Escola Nacional de Saúde Pública, Carla Nunes, explicou na reunião desta terça-feira que há áreas mais críticas quando se analisa a incidência e o rácio entre casos observados e casos esperados, dada a situação nessa semana no país e considerando a vizinhança do concelho em estudo.
A especialista mostrou que os concelhos com valores mais elevados de incidência ou de risco relativo eram os das zonas metropolitanas de Lisboa e Porto, Nordeste Transmontano e algumas zonas do Alentejo.
Na definição das áreas espaciais mais críticas ao longo das últimas semanas notam-se alguns clusters espaciais. Entre 29 de Março e 4 de Abril, por exemplo, registaram-se valores mais baixos (ou seja, maior risco ou incidência) em Vila Franca de Xira e Rio Maior. De 5 a 11 de Abril, os dados mais recentes, percebe-se a existência de 21 clusters especialmente no Alentejo e no Algarve. “É urgente, com a transmissão rápida que existe, e independentemente da consistência temporal”, definir estratégias especificas de actuação, afirmou Carla Nunes.
Notícia actualizada às 20h53 com a posição dos autarcas de Alcoutim e Lagoa