Habitação: empurrar a oferta e a competição
Ao contrário do que sucede nos mercados competitivos, em que um excesso de procura provoca um forte aumento da oferta, não deixando os preços subir e satisfazendo quem procura, as características próprias do sector imobiliário impedem esse ajustamento da oferta.
Uma das dimensões que funciona mal em Portugal é o mercado imobiliário, nomeadamente no que toca à satisfação das necessidades habitacionais das classes média e baixa. Em particular nas maiores cidades, onde estão concentrados a grande parte dos empregos, vive-se um desequilíbrio crónico de excesso de procura, tanto no mercado de compra, como no mercado de arrendamento. Essa situação provoca um aumento de preços (ex: 55% em Lisboa e 66% no Porto, entre 2017 e 2020) que tem gerado uma gentrificação iníqua.
Ao contrário do que sucede nos mercados competitivos, em que um excesso de procura provoca um forte aumento da oferta, não deixando os preços subir e satisfazendo quem procura, as características próprias do sector imobiliário impedem esse ajustamento da oferta. Desde os Planos Directores Municipais, à concentração dos imóveis em relativamente poucos proprietários, até à escolha pela especulação (não pôr os imóveis no mercado na expectativa de que os preços continuem a subir), tudo torna este mercado altamente ineficiente.
No que diz respeito ao arrendamento, ainda se fazem sentir as políticas salazaristas (mantidas durante a democracia, só recentemente alteradas) de congelamento de rendas, que bloquearam este mercado durante décadas.
Já a crise do subprime fez com que muitos construtores abandonassem o mercado da construção habitacional, havendo uma quase estagnação na construção de casas novas nos principais centros urbanos nos últimos 12 anos.
Tudo isto faz com que um casal que viva só dos seus salários, sem heranças ou ajudas familiares, tenha imensas dificuldades em encontrar habitação condigna, a preços sustentáveis, nas cidades (para compra ou arrendamento).
A consequência tem sido a expulsão dessas pessoas das cidades onde cresceram e trabalham, forçadas a emigrar para a periferia, com assinaláveis perdas na qualidade de vida: horrorosas deslocações casa-trabalho-casa – que são dos momentos mais stressantes na vida das pessoas, os estudos comprovam-no; afastamento da família e dos grupos de lazer – com perdas ao nível dos bens relacionais; residência em locais com baixas amenidades, o que diminui a qualidade de vida (as câmaras mais pobres não têm o capital, nem o interesse, em criar essas amenidades); aproximação a guetos com problemas criminais, gerando-se sentimentos de insegurança.
Perante este problema, importa encontrar soluções. Uns têm defendido políticas de preços máximos, para se garantir o acesso à habitação a preços compatíveis com os rendimentos. Sucede que essa estratégia está votada ao fracasso, pois, potencialmente, baixa a oferta (piorando o problema) e até cria a injustiça de só beneficiar quem tiver a sorte de conseguir as poucas habitações disponíveis a esses preços.
Sabendo-se que o problema está na baixa oferta, temos que a estimular. Assim, proponho o seguinte:
1. Imposto de inutilização em função do custo de oportunidade, da localização e do excesso da procura. Não através do IMI (que financia as Câmaras, é muito pequeno e é calculado em função dos baixos valores tributários) mas de um novo imposto cobrado pela AT e destinado ao aumento da oferta no mercado imobiliário (seja por construção pública, seja no incentivo à construção privada). Este imposto iria fazer com que quem tem imóveis parados ou abandonados, passasse a ter um incentivo forte a pô-los no mercado, pois que se vendesse ou arrendasse deixava de pagar este imposto. Este imposto teria que ser substancial. Quem escolhesse manter os imóveis parados por motivos especulativos, sentimentais, ou outros, estava no seu direito, mas contribuía com este imposto para a sociedade conseguir responder à falta de oferta.
2. Liberalização do PDM e agilização dos procedimentos de licenciamento. Um dos grandes entraves à construção de novas habitações são as regras do PDM que, tantas vezes, geram mais-valias ou luxos injustificados para os proprietários de certas áreas urbanas. No Porto, por exemplo, se há muita gente a querer morar na Foz, o que há a fazer é liberalizar o PDM da Foz, permitindo-se a construção de prédios altos nessas freguesias (obviamente, isto terá a oposição feroz dos proprietários das moradias de luxo, que não querem ter como vizinho um prédio de 7 andares…). Um PDM é, sempre, um instrumento estatal de distribuição de benefícios: o luxo de uns, é a gentrificação de outros. Se liberalizarmos, o mercado equilibrará isso. Quanto ao licenciamento, a espera absurda de anos por um parecer favorável a uma obra de reabilitação ou de construção, é incompatível com a necessidade imperiosa de aumentar a oferta.
3. Contrabalançar, pela oferta, os incentivos estatais à procura ("vistos gold”, acordos de não tributação, apoios ao turismo). Nos últimos anos, as cidades do Porto e de Lisboa têm assistido a uma explosão do turismo e da procura imobiliária internacional, que tem feito disparar os preços dos imóveis. Quer pela transformação de fogos habitacionais em hotéis ou alojamento local, quer pela compra de imóveis nessas cidades por brasileiros, suecos, franceses, chineses, ou outros estrangeiros ricos que vêm à procura de benefícios fiscais e segurança urbana, o mercado desequilibrou-se, tornando-se impraticável para quem vive com salários nacionais. Das duas uma, ou se acaba com esses privilégios para os internacionais (que prejudicam o cidadão mediano português), ou se cria oferta habitacional em massa que faça baixar os preços. Pode-se, por exemplo, subsidiar certo tipo de construção nova, ou de reabilitação, que não seja para o turismo, nem para compradores que beneficiam dos programas mencionados.
4. Estado a construir habitação. A cidade do Porto é um paradigma da construção social por toda a cidade. Não há, praticamente, uma zona da cidade que não tenha um bairro social. Isso é muito positivo, porque não só dificulta a geração de mega guetos, como proporciona a convivência interclassista e o acesso aos espaços nobres a todos, o que é um imperativo de equidade. Acontece que essas construções foram feitas há muitos anos, e eram destinadas aos mais pobres. Agora, precisamos que o Estado também intervenha ao nível das classes médias. E o Estado pode fazer uso do seu património imobiliário para esse fim, convertendo o que tem em habitação para a classe média, colocando-a no mercado em condições competitivas.
Todas estas medidas promoveriam a justiça, a equidade, a sustentabilidade ambiental e a felicidade. É tempo de as pôr em marcha.