Auditoria a derrapagem das obras no Hospital Militar de Belém revela irregularidades
A auditoria às obras de construção do Centro de Apoio Militar Covid-19 revela que o ministro da Defesa não teve conhecimento do aumento da despesa. O PSD já reagiu e pede para ouvir no Parlamento o ministro da Defesa e o ex-director-geral de Recursos de Defesa Nacional, Alberto Coelho.
As obras no antigo Hospital Militar de Belém para a construção do Centro de Apoio Militar Covid-19 custaram três vezes mais do que o previsto e, de acordo com o relatório da auditoria da Inspecção-Geral da Defesa Nacional citado esta quarta-feira pela TSF, a despesa foi feita à revelia do ministro da Defesa, João Gomes Cravinho. Segundo o relatório de 43 páginas a que a rádio teve acesso, a autorização da despesa foi dada por Alberto Coelho, ex-director-geral de Recursos de Defesa Nacional [DGRDN], que em Fevereiro não foi reconduzido no cargo.
O relatório citado conclui que "os actos e procedimentos administrativos e financeiros auditados denotam inconformidades legais” com a "falta de evidência do pedido expresso à tutela para autorizar a despesa (...) e consequente ausência de competência por parte do director-geral da DGRDN [Alberto Coelho] para autorizar a despesa, escolher as entidades a convidar, aprovar as peças do procedimento e decidir a adjudicação”. O documento dá ainda conta de várias irregularidades nos ajustes directos para as obras do Hospital Militar de Belém.
“Em Março [de 2020], o custo orçado da adaptação era de 750 mil euros sem IVA”, contextualizava ao PÚBLICO o ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, em Agosto do último ano. Mas a verba derrapou para mais de três milhões de euros sem que o governante tenha dado luz verde. O relatório destaca também por isso a "ausência do projecto de execução e da aprovação das peças do procedimento nos contratos" e acrescenta que o "objecto contratual das empreitadas foi defeituosamente definido”.
PSD quer ouvir ministro
Esta quarta-feira, o PSD fez saber que quer ouvir no Parlamento o ministro da Defesa e o ex-director de Recursos de Defesa Nacional, Alberto Coelho."Umas obras que custaram três vezes mais do que estava orçamentado não, é com certeza, uma situação normal”, afirma o deputado social-democrata Carlos Eduardo Reis, em declarações à TSF. “A pandemia não pode servir de pretexto para a falta de rigor na utilização de dinheiros públicos”, condena.
O Centro de Apoio Militar, construído no perímetro interior do Hospital Militar de Belém, no bairro da Ajuda, em Lisboa, nasceu para “alojar cidadãos em situações críticas de gravidade ligeira ou assintomática, de pessoas socialmente frágeis ou sem capacidade familiar para realizar quarentena correctamente”. A proposta foi apresentada pela construtora TRXMS, que se propunha a avançar com “trabalhos de reabilitação e colocação em funcionamento de uma base de assistência hospitalar de reforço”, num projecto orçamentado num máximo de 750 mil euros.
Dos 750 mil aos três milhões
As obras arrancaram e uma semana depois foram identificadas pelo Exército “novas necessidades” que implicariam obras no valor de mais de 422 mil euros, da empresa Weltbauen, "não tendo sido evidenciada a existência de convite e caderno de encargos, entre outros documentos essenciais”, nota o relatório. Foi contratada uma terceira empresa, a RomaPremium, para acompanhamento e fiscalização da obra, tendo por objectivo "estabelecer uma sistemática e mais eficiente e eficaz da gestão predial, com foco na manutenção preventiva e correctiva, conforme realizado em vistoria”.
Já com as obras completas (e com o centro a receber doentes covid-19) e apesar de o secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Jorge Seguro Sanches, ter pedido detalhes sobre o projecto, a 22 de Junho o gabinete do secretário de Estado voltou a pedir "o valor total discriminado” despendido nas obras e "informação sobre o tipo de contratos que foram até ao momento realizados, bem como informação do nível de conclusão das respectivas contratualizações, isto é, se as obrigações dos mesmos já se encontram prestadas e a obra entregue”.
O então director-geral de Recursos de Defesa Nacional informou que o custo da obra ascendia a mais de dois milhões e meio de euros e que os contratos foram integralmente executados por ajuste directo simplificado, ao abrigo do decreto-lei que facilitou a contratação pública durante a pandemia. O Governo respondeu para notar que não foi dada a "discriminação do valor total" e que não foram identificados "os contratos realizados e as contrapartes ou os valores adjudicados (e por quem e ao abrigo de que disposição legal ou delegação de poderes)”. Alberto Coelho explicou que os procedimentos administrativos foram validados previamente pela Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional ao abrigo de uma alínea do decreto-lei 10-A/2020 e que a luz verde teria sido dada pelo ministro numa apresentação presencial. Mas o relatório considera que a obra carecia ainda assim pedido formal de autorização de despesa.
O valor das despesas, que ascendeu aos 3,2 milhões de euros, foi suportado com verbas da Lei de Infra-estruturas Militares (LIM) “porque não havia orçamento de Estado disponível e que essa era a única fonte de financiamento disponível”, diz o relatório.
Apesar do evidente descontrolo das contas, a 23 de Fevereiro, Gomes Cravinho esclareceu dos deputados da comissão parlamentar de Defesa Nacional que não tinha havido descontrolo, mas que a obra teve uma maior intervenção do que inicialmente planeado e que não recondução de Alberto Coelho não se tratou de uma exoneração, mas da necessidade de um "olhar e abordagens novos”.
Quanto ao futuro do centro, os cenários mantém-se em aberto e as certezas só chegarão num cenário pós-pandemia, ainda que o relatório detalhe que a sua rentabilização “encontra-se a ser negociada com a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, estando prevista a sua cedência por 50 anos”.