Hong Kong primeiro, Macau agora
O Governo chinês não aceitará nada mais do que a propaganda assumidamente pró-Pequim, impedindo qualquer liberdade de escrutínio.
Era previsível que as autoridades chinesas não deixassem escapar a oportunidade de aplicar a Macau a receita que aplicaram a Hong Kong. A lei de segurança nacional, ao abrigo da qual se tentou acabar de vez com a autonomia de Hong Kong, perseguindo e prendendo qualquer voz dissonante, foi aplaudida pelas autoridades da Região Administrativa Especial de Macau em Julho passado. Está mais do que visto que o regime “um país, dois sistemas” se funde, irremediavelmente, num só, num exercício bulímico que tudo fará para engolir Taiwan assim que possível.
O rolo compressor da autocracia chinesa não deixa nada incólume, muito particularmente a liberdade de imprensa que ainda existe nas regiões administrativas de Macau e de Hong Kong, sob constante ataque, quer pela epidemia de informação falsa, quer porque o actual contexto de restrições a nível mundial é um pretexto para travar o jornalismo isento.
Quando as autoridades macaenses reúnem no mesmo local dezenas de jornalistas, entre os quais muitos portugueses da estação pública do território, para lhes comunicar que o que noticiam deve ter uma preocupação patriótica isso é tudo menos informação. Quando esses jornalistas são confrontados entre terem de escolher não publicarem notícias desagradáveis para o poder e o despedimento por justa causa isso é censura. O sinal está dado. A apatia e o silêncio tornarão tudo mais fácil e rápido.
Nada de novo a Oriente: a organização Repórteres sem Fronteiras classifica o regime chinês como aquele que detém mais jornalistas no mundo inteiro, o acesso digital à maioria dos meios de comunicação estrangeiros está bloqueado, os correspondentes são expulsos com frequência, e a imprensa nacional não justifica que seja classificada como tal. A advogada e jornalista independente que reportou o surto de Whuan continua presa.
O Governo chinês não aceitará nada mais do que a propaganda assumidamente pró-Pequim, impedindo qualquer liberdade de escrutínio. Acontece que, desta vez, há jornalistas portugueses envolvidos, profissionais num território outrora português, cuja Lei Básica, acordada entre os dois países, prevê a liberdade de imprensa. Falta saber se, como diz o advogado Jorge Meneses, “Portugal não desligou a luz quando fechou a porta.” Se a qualidade da democracia depende também da qualidade da imprensa, a qualidade da autocracia só depende da sua desfaçatez. É por isso que a qualidade da sua autocracia é “excelente”. Nesta luta, não restam dúvidas: no final quem ganha é a China.