Ser pai é muito mais do que passar ADN
Confesso a minha enorme admiração pelos bons padrastos, na sua modalidade actual, ou seja, o de “pais” de filhos que vivem provavelmente até maioritariamente na mesma casa, mas que têm um pai vivo e bem presente nas suas vidas.
Querida Ana,
É uma pinta a Igreja ter escolhido o dia de S. José como Dia do Pai. É reconhecer que o que faz de um pai um bom pai são os laços afectivos, o compromisso de ser o melhor pai possível, a dedicação a amar e proteger aquela criança até ao limite das suas possibilidades. Como estás farta de saber adoro uma frase do juiz conselheiro Laborinho Lúcio que diz que a maior sorte que uma criança pode ter é a de ser adoptada pelos seus pais biológicos. Tornar-se pai, aliás como tornar-se mãe, é muito mais do que passar para uma nova geração o nosso ADN.
Cá para mim, todas as salas de audiências nos tribunais deviam ter uma imagem de S. José, para lembrar isto mesmo a quem ali decide a vida das crianças — o número de adopções por ano não só é baixo, como tem continuado a baixar, o que seria uma boa notícia não fossem os números de crianças institucionalizadas, e institucionalizadas anos a fio, ser praticamente o mesmo.
Dito isto, confesso a minha enorme admiração pelos bons padrastos, na sua modalidade actual, ou seja, o de “pais” de filhos que vivem provavelmente até maioritariamente na mesma casa, mas que têm um pai vivo e bem presente nas suas vidas... Não deve ser nada fácil encontrar o registo certo, sobretudo nos primeiros tempos, em que a própria mulher/mãe muitas vezes confunde e baralha, entrepondo-se entre ele e os “seus” filhos. Mas quando encontram o seu lugar, com inteligência e sensibilidade, são uma mais-valia extraordinária na vida dos seus enteados.
Acredito que daqui a uns anos, estas palavras que ainda nos custam dizer e escrever, como “padrasto” e “enteado” vão perder de vez a sua conotação de história infantil assustadora. E os avós, que tantas vezes fazem birra ao novo marido/namorado da mãe (ou do pai), vão também ter mais facilidade em aceitar estas revoluções, temendo menos pelas suas consequências para os seus netos.
Querida Mãe,
Espero bem que sim! Não gosto especialmente de Dias de..., soa-me sempre um bocadinho forçado, mas gosto da ideia de pensarmos no que é ser pai e como esse papel tem mudado ao longo dos anos. Um dos meus desenhos animados favoritos (e por sorte dos meus filhos também) é a Bluey. A história fala sobre o dia-a-dia e as brincadeiras da pequena cadela Bluey e da sua irmã Bingo. Mas ao contrário do tempo em que só apareciam as pernas dos pais das personagens dos bonecos animados o pai da Bluey é uma das estrelas dos episódios. É presente, divertido, trabalhador, chateia-se mas adora brincar e alinha – por vezes só por inércia em dizer que não – em todas as maluqueiras que as filhas inventam. É um pai inspiracional no sentido em que todos nós começamos a pensar em como nos podemos divertir tanto com os nossos filhos, mas é também um pai real porque, ao contrário da mãe do Ruca, nem sempre está de bom humor.
A mãe, a Bluey e a Bingo não ficam “fascinadas” quando o pai fica em casa, não acham estranho a mãe ir trabalhar, esperam com toda a naturalidade que o pai brinque. E é assim que esta nova geração vê os novos pais. Felizmente muitos dos nossos filhos já se podem dar ao luxo de ter garantida a presença do pai, e isso é uma vitória.
No entanto, a sociedade é sempre mais lenta do que os miúdos a acompanhar as mudanças. Sem os holofotes e o brilho que damos à mãe, o pai continua muitas vezes remetido para um segundo plano. Não sei se a mãe se lembra, mas no último Dia da Mãe quis falar sobre as mães que perderam um filho, e para quem este dia é sempre agridoce. Hoje não podia deixar de falar sobre os pais na mesma situação, os pais que muitas vezes aguentam o barco, velando pelas mães em luto, e choram em silêncio. Pais que se afastam ou disfarçam a sua dor porque ninguém lhes ensinou que a podiam deixar sair. Que ainda acreditam que ninguém os vai levar a sério se passado um ano ou dois, ou dez ou 20, ainda quiserem falar sobre o que sucedeu ou chorar o filho que não chegou a nascer com vida ou que morreu cedo demais.
Por isso, que o Dia do Pai nos ajude a lembrar todos os pais que têm e os que não têm os seus filhos no colo. E a comprometer-nos a dar-lhes mais espaço para mais do que serem homens, ou pais serem pessoas.
No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.