O direito a desligar o Zoom
O teletrabalho está previsto na lei portuguesa há quase duas décadas, mas tem forçosamente de ser adaptado à realidade em que vivemos.
A pandemia que ameaçava ser uma nuvem passageira sobre o nosso quotidiano acabou por se impor por tempo indeterminado. As suas sequelas serão muitas. A pandemia apressou a transição digital de que ouvíamos falar como se se situasse num futuro longínquo. A transição digital está no meio de nós e não lhe conseguimos escapar.
Certamente que a seguradora Liberty Europa não será a primeira nem a última empresa a transformar uma medida provisória, o trabalho à distância por razões sanitárias, numa medida definitiva. A Liberty Seguros anunciou, na semana passada, que passaria a ser uma organização totalmente digital, com os seus trabalhadores à distância.
A persistência e resiliência do vírus, para além de todas as óbvias consequências sanitárias, educacionais, psicológicas, etc., dividiu o mundo do trabalho a meio, entre quem pode e quem não pode fazer teletrabalho. Sabemos pelos dados do INE que quase um quarto do total dos trabalhadores, mais de um milhão de pessoas, exerce remotamente as suas funções e que os seus salários são mais elevados do que os daqueles que exercem funções inconciliáveis com o teletrabalho, salve as naturais excepções, como é o caso de alguns profissionais de saúde.
Mas isso está longe de significar que não exista um proletariado sentado ao computador, cujos salários estão longe de compensar as cargas horárias que o trabalho remoto muitas vezes exige. Para que as relações laborais não caiam num limbo nubloso e desregrado, nomeadamente na questão dos horários, é necessário que esta transição digital do mundo do trabalho seja devidamente regulamentada já, porque o teletrabalho não se irá dissolver no pós-pandemia.
Espanha já fez o trabalho de casa. O Governo de Pedro Sánchez e os parceiros sociais alcançaram um pré-acordo para criar um enquadramento legal para o trabalho à distância. Em Portugal, Bloco de Esquerda e PS vão avançar com propostas para regulamentar o teletrabalho.
O primeiro, claro, pela voz de José Soeiro, é mais taxativo em matéria de horários, descanso, acidentes de trabalho, despesas ou privacidade. O segundo, pela voz de Ana Catarina Mendes, é mais retraído e quer evitar “fraturas” entre trabalhadores e empregadores. O teletrabalho está previsto na lei portuguesa há quase duas décadas, mas tem forçosamente de ser adaptado à realidade em que vivemos. A burguesia precisa que lhe seja reconhecido o direito a desligar o Zoom.