Para artistas e escritores, foi tempo de registar ausências
Será sempre um diagnóstico incompleto, assustado, imediato da realidade. O de quem tentou o registo dos dias da pandemia como urgência artística, literária, sabendo-se a participar de um momento único. A qualidade estética do que fizeram, e nalguns casos ainda fazem, pode ser questionada, a sua utilidade histórica não.
A última imagem no Instagram é a de uma casa. Melhor, de um móvel numa casa, cheio de coisas, de fotografias. Entre elas há uma jarra com túlipas e frésias. As flores estão abertas. Sabemos que não são novas se tivermos seguido o seu percurso antes de chegarem à casa. Na jarra, confundem-se com o ambiente em volta, alteram-no à medida que envelhecem. São o único movimento que se antecipa. Noutra imagem, vislumbram-se as pernas e parte do tronco de alguém. Um rapaz? Segura um cigarro, o rosto encoberto pela copa da laranjeira. Vemo-lo por detrás do vidro da janela. Será um pátio de Lisboa onde sobressai o silêncio porque, por exemplo, já não passam aviões. É só outro vazio, o retrato de uma ausência, nada evidente. Tudo quieto, na inquietude da cidade onde há máscaras deixadas no chão, excrescência de outra falta, a de um rosto. “Não fotografo uma intimidade que revele muito, mas os vazios em que se transformou a maior parte dos sítios”, diz Luísa Ferreira, fotógrafa, que dia após dia capta imagens do que chama “um quotidiano de fechamento”. Porquê? “Por impulso. Porque nos silêncios, nas ausências, há quase um retrato deste tempo.”
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