Ambientalistas espanhóis defendem “frutos maduros e não megaprojectos” na ferrovia
Investiu-se milhões em infra-estruturas que não se traduziram num aumento do número de comboios nem da quota de mercado do caminho-de-ferro, criticam.
Espanha tem a segunda maior rede de alta velocidade do mundo (logo a seguir à China) para a qual a Europa contribuiu nas últimas décadas com 57% do total de financiamento destinado aquele tipo de linhas. Mas nem por isso essa aposta se traduziu num significativo aumento da quota de mercado do comboio face a outros modos de transportes.
O país vizinho ocupa um pouco honroso 17º lugar, entre 30 países europeus, no número de passageiros por quilómetro/habitante (Portugal, com menos investimento e sem um quilómetro de alta velocidade, está em 19º lugar). E é o 20º no indicador que mede a utilização da capacidade da infra-estrutura.
Estes dados foram apresentados por Jérémie Fosse, presidente da Eco-Union durante uma conferência online sobre o renascimento do caminho-de-ferro em Espanha e Europa, promovida pela organização ambientalista Ecodes – Ecologia e Desenvolvimento.
Já se sabia que os ecologistas espanhóis não gostam da alta velocidade, ou, no mínimo, têm dúvidas sobre a sua eficácia, mas nesta reunião foram apresentados sucessivos exemplos de como a construção de infra-estruturas não foi acompanhada de um proporcional aumento da oferta de comboios e número de passageiros transportados.
Por isso, Lena Donat, da GermanWatch, defende que “precisamos de frutos maduros e não de [mais] megaprojectos” pois “mais vale reabrir linhas do que construir novas linhas”, em particular as das fronteiras ferroviárias fechadas, de que se destacam a de Canfranc (nos Pirinéus) com França e a de La Fregeneda/Barca de Alva com Portugal.
Pau Noy, presidente da Fundação Mobilidade Sustentável e Segura do Corredor Mediterrânico, disse que há 50 anos havia dezenas de comboios por semana que transportavam mercadorias (sobretudo frescos) de Valência para França e hoje, após milhares de milhões de euros investidos naquele corredor, há menos tráfego de mercadorias. E isto “apesar do enorme esforço que se fez para pôr a bitola europeia em Espanha”, sublinhou. “Não serve de nada construir infra-estrutura se depois não há tráfego”.
Lena Donat referiu que os problemas da interoperabilidade ferroviária vão muito para além da bitola e apresentou um mapa impressionante onde é possível ver como os caminhos-de-ferro europeus são um mosaico em que tudo é diferente, desde a tensão eléctrica, à sinalização, aos sistemas de comunicações e até à altura das plataformas.
“Nos anos 80 havia mais comboios internacionais. Bastava mudar a locomotiva nas fronteiras e viagem prosseguia”, disse, mas hoje, com progresso tecnológico e comboios mais rápidos e complexos, é mais difícil que circulem entre países. Por isso, defendeu que, da mesma forma que muitos países apoiam as companhias aéreas, também devem ajudar os seu operadores ferroviários a comprar comboios interoperáveis para haver uma verdadeira rede de serviços internacionais.
Num evento com várias referências a Portugal devido à inexistência de comboios internacionais com Espanha (o Sud Expresso e o Lusitânia Expresso foram suspensos em Março de 2020), Lena Donat deu o exemplo da viagem ferroviária possível, hoje em dia, entre Lisboa e Madrid: “necessita três transbordos, três bilhetes diferentes e 11 horas de viagem para fazer somente 600 quilómetros”.
E a provar que o problema nem sempre é a infra-estrutura, referiu que nem sequer é possível comprar um bilhete único de forma integrada entre os dois países pois as companhias ferroviárias não partilham dados.