Variante do Reino Unido em Portugal: “Desviámo-nos da curva projectada”

Estima-se que já tivessem circulado em Portugal mais de 120 mil casos associados à variante do Reino Unido.

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Partículas do coronavírus SARS-CoV-2 (a vermelho) NIAID

Entre 1 de Dezembro e 7 de Fevereiro estima-se que já tivessem circulado em Portugal mais de 120 mil casos de covid-19 associados à variante do Reino Unido, informou esta terça-feira, na reunião no Infarmed, João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Pública Doutor Ricardo Jorge (Insa). Quanto à prevalência desta variante em Portugal, referiu que nos “desviámos completamente da curva projectada”: “Deixámos de estar num crescimento exponencial e passámos a estar no início de um plateau. A curva passou a ter a forma de S e isso são óptimas notícias.”

Na determinação desta prevalência tem sido usada uma ferramenta em tempo real, que foi desenvolvida numa colaboração do Insa e da Unilabs Portugal, laboratório de análises clínicas. Através da sequenciação genómica, é determinada uma correlação forte entre a falha na detecção do gene S em alguns testes de diagnóstico e a presença da variante do Reino Unido (a linhagem B.1.1.7). Para a prevalência, faz-se o cálculo entre as amostras do vírus associadas à variante num conjunto de amostras positivas do SARS-CoV-2 recolhidas pela Unilabs. Depois, extrapola-se esse valor para todos os casos positivos diagnosticados no país.

João Paulo Gomes refere que os dados usados nestas estimativas são “robustos”: foram usados cerca de 50 mil testes positivos e quase 9000 associados à variante. Tendo em conta a percentagem de testes que a Unilabs faz em relação à casuística nacional, estima-se, assim, que entre 1 de Dezembro e 7 de Fevereiro já tivessem circulado em Portugal 120 mil casos de SARS-CoV-2 associados à variante do Reino Unido.

O investigador também assinalou que se projectava que, a partir da próxima semana, a prevalência de casos associados à variante fosse cerca de 65%. Mas acabámos por ter boas notícias: desviámo-nos da curva projectada. Relativamente a Lisboa e Vale do Tejo, apesar de a variante ter aí uma prevalência superior à maior parte das outras regiões do país (é entre 55 e 60%), “a evolução da taxa de crescimento tem sido muito favorável”. “A evolução semana a semana passou dos 90% para cerca de 10 a 15% na última semana”, indicou João Paulo Gomes. A nível nacional, a taxa de crescimento já foi de 90% por semana, já passou para entre 50 e 60% e agora ronda os 19%.

Também se analisou a carga viral associada a esta variante aos olhos da realidade portuguesa e verificou-se que casos desta variante do Reino Unido têm, normalmente, uma carga viral de cerca de 20 vezes superior aos casos de outras variantes em circulação. “Aqui está uma explicação mais do que razoável para uma maior transmissibilidade: a causa de tudo são as tais mutações, que provocam uma maior afinidade do vírus pelas nossas células, o que depois resulta numa maior carga viral. Com uma maior carga viral, no contacto social temos maior capacidade de expelir maior quantidade de vírus”, esclareceu o investigador.

Mutação partilhada com a variante da Califórnia

O Insa está também a monitorizar outras variantes do SARS-CoV-2 em Portugal e João Paulo Gomes destacou um “resultado algo surpreendente” sobre uma delas. Através do Estudo da Diversidade Genética do Novo Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) em Portugal, em que sequenciam genomas do vírus, verificou-se um aumento de uma variante que partilha uma mutação de interesse com uma outra variante (conhecida como “variante da Califórnia”) que se disseminou muito na costa Oeste dos Estados Unidos. Se em Novembro se encontrou entre dois e três casos em três concelhos de Portugal (o que correspondia a 0,7%), na segunda semana de Janeiro já se encontrou uma frequência relativa de 6,8% na amostragem nacional. Portanto: “6,8% dos casos sequenciados pertencem a uma variante – e não estávamos à espera destes resultados – que tinha uma mutação de interesse também presente na variante da Califórnia”, disse. 

A tal mutação de interesse pode afectar o domínio de ligação da proteína da espícula (responsável pela entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas) e o receptor das nossas células, o que pode potenciar uma maior transmissão do vírus. De acordo com dados experimentais, também pode estar associada a uma falha de ligação dos anticorpos, “daí a preocupação acrescida”, referiu o investigador. “Estaremos atentos para perceber se vai continuar a disseminar-se”. Até agora, neste estudo sobre a diversidade genética do SARS-CoV-2, analisaram-se 3261 sequências do genoma do SARS-CoV-2, vindas de amostras de 71 laboratórios, hospitais e instituições, representando 235 concelhos. Além do Insa, este trabalho é desenvolvido pelo Instituto Gulbenkian de Ciência e pelo Instituto de Biomedicina da Universidade de Aveiro.

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