Variante do Reino Unido em Portugal: “Temos de a parar”

Investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge notou que o peso da variante britânica ainda é modesto em Portugal, mas a linha de tendência está a acompanhar a do Reino Unido. “Temos de ter cautela.”

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Phil Noble/Reuters

Qual é mesmo o peso da nova variante identificada no Reino Unido em Portugal? Na reunião desta terça-feira no Infarmed, João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) e coordenador do estudo sobre diversidade genética do SARS-CoV-2 em Portugal, mostrou alguns dados de casos prováveis dessa variante no país e avisou: “Se me perguntarem qual o peso relativo desta variante do Reino Unido no panorama actual, diria que ainda é modesto. Temos de ter cautela, porque a linha de tendência está a acompanhar a do Reino Unido e da Irlanda e temos de a parar para não irmos parar ao mesmo cenário.”

Durante a sua apresentação, João Paulo Gomes assinalou que, de acordo com os dados dos ingleses, esta nova variante “tem dominado e aumentado a sua frequência relativa”. O investigador explicou que esta variante parece estar associada a uma maior carga viral, o que significa um aumento dessa carga viral até 32 vezes e poderá justifica a maior transmissão desta variante. “Se ao sermos infectados pela variante do Reino Unido podemos originar cargas virais 30 ou 40 vezes superiores, é normal que, com a mesma proximidade, possamos transmitir mais facilmente a infecção a quem está à nossa frente.”

Quanto à análise por faixas etária no Reino Unido, indicou que se verificou que a faixa etária dos dez aos 19 anos parecia particularmente mais afectada por esta variante. Contudo, os ingleses acabaram por concluir que os resultados eram “pouco significativos”, visto que foram obtidos durante uma altura de confinamento em que as escolas não estavam confinadas e, desta forma, o vírus teria mais probabilidade de propagação em idade escolar. “Não parecia, de facto, haver indicações de que a nova variante do Reino Unido pudesse afectar mais as idades escolares.”

Em Portugal, até ao momento, estão confirmados 72 casos associados a esta variante em dez distritos de Portugal continental e Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores​ ​e poderão ser mais. Portugal é mesmo um dos países que já depositaram mais sequências de genomas do vírus que correspondem à variante encontrada no Reino Unido disponibilizadas na base de dados pública Gisaid, o que o cientista diz estar relacionado com o esforço que se está a fazer quanto ao processo de sequenciação genómica. A caracterização genética do SARS-CoV-2 está a ser feita numa colaboração entre o Insa e o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC). Esse consórcio junta ainda cerca de 70 laboratórios de análises clínicas, muitos deles em unidades hospitalares.

Há certas pistas para se saber se estamos perante um vírus da variante encontrada no Reino Unido. Muitos laboratórios usam como teste de diagnóstico um que detecta o vírus simultaneamente através de três porções do SARS-CoV-2 e uma delas é o gene S. No Reino Unido verificou-se que havia uma grande percentagem de amostras que falhava esse gene, o que poderia ser uma indicação da existência da variante.

João Paulo Gomes mostrou precisamente alguns dados de laboratórios portugueses que usam o tal gene no seu teste de diagnóstico. De acordo com os dados do Synlab, entre 6 e 8 de Dezembro, fizeram-se 1674 testes, 444 deram resultados positivos ao SARS-CoV-2 e 69 falharam no gene S – o que indica que as amostras poderão provavelmente pertencer à variante detectada no Reino Unido. Segundo os dados da Unilabs, entre 4 e 10 de Janeiro, foram feitos 16.006 testes, 4610 deram positivo e 371 falharam o gene S, o que pode apontar para a variante.

“A tendência é crescente e isto sobrepõe-se perfeitamente com a linha das primeiras semanas no Reino Unido”, notou o investigador. “Era expectável? Diria que sim. É surpreendente? Diria que não. Portugal é um dos principais destinos turísticos no Reino Unido. Diria que é normal o que estamos a observar.” E no final alertou então que, apesar de o peso ainda ser modesto, tem de se ter cautela porque a linha de tendência desta variante no país está a acompanhar a do Reino Unido.

“A variante portuguesa”

Ao longo da apresentação, João Paulo Gomes exemplificou que “Portugal também já teve a sua variante”. Ela esteve associada a um ou dois voos que chegaram de Milão em meados de Fevereiro através de industriais do Norte. No final de Abril, segundo o cientista, um em cada quatro casos de covid-19 em Portugal estavam associados a esta variante, o que corresponde a cerca de 4000 casos. Mas também esclareceu: “Isto resolveu-se.” Esse período correspondeu ao do confinamento entre Março e Abril e a uma cerca sanitária em Ovar, pelo que esta variante acabou por desaparecer. Num rastreio feito em Novembro ela já não foi encontrada. “O que significa que as medidas em Março e Abril foram muitíssimo eficazes e conseguimos estrangular a disseminação desta variante.”

João Paulo Gomes adiantou ainda que o Insa continuará a trabalhar em parceria com o IGC e que há um despacho ministerial que solicita aos laboratórios o envio de amostras para o processo de caracterização genética. “Faremos muito afincadamente uma vigilância mensal com relatórios periódicos em que vamos aumentar esta casuística de sequenciação do vírus”, garantiu, salientando que tudo se fará para que estes dados ganhem mais robustez e sejam cada vez mais uma ferramenta de saúde pública e de decisão política.

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