Praça do Império: combater a demagogia, desfazer equívocos
Respeito quem, divergindo do projeto, tenha a opinião de que os brasões em topiária devem ser repostos no jardim. Mas não posso aceitar ser acusado de preconceito ideológico ou de qualquer espécie de fanatismo ou de submissão a uma cultura de moda, porque defendo o resultado do concurso de ideias de 2016.
1. A concepção da Praça do Império foi delineada por Cottinelli Telmo, como elemento central da Exposição do Mundo Português, realizada em 1940. A descrição do projecto, que incluía a fonte luminosa, referia que “o jardim devia ser de grande simplicidade, ter incerteza”, “nada de retalhos, de jardim público de bairro insignificante”, “grandes relvados, zona de lajedo e de empedrado à portuguesa”, “conservação pouco dispendiosa”.
A evocação histórica dos Descobrimentos assentou, por um lado, na fonte luminosa, ao centro da praça, com os brasões dos descobridores e das suas famílias esculpidos em redor da taça da fonte, e, por outro lado, na relação do espaço com o Mosteiro dos Jerónimos e o rio Tejo.
Já comigo no pelouro do Ambiente, a fonte luminosa, que não funcionava, foi reabilitada em 2010 e todos os elementos escultóricos foram restaurados, incluindo os brasões dos descobridores, que passaram a ter leitura. Mais tarde, também a fonte da Alameda D. Afonso Henriques foi restaurada, com a preservação do baixo-relevo onde estão inscritos os nomes de Carmona, Oliveira Salazar e Duarte Pacheco.
2. Em 1961, por ocasião das comemorações do quinto centenário da morte do Infante D. Henrique, numa iniciativa dos jardineiros da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e no âmbito da XI Exposição de Floricultura, desenvolveu-se nos relvados situados à volta da fonte luminosa, com carácter temporário, um minucioso trabalho de topiária de flores representando as armas e os brasões dos distritos de Portugal continental e insular, das províncias ultramarinas e ainda as cruzes de Cristo e de Avis.
No final dos anos 60 e princípio dos anos 70, grande parte dos elementos (flores) que formavam os desenhos dos brasões foram substituídos por arbustos, para facilitar a respectiva manutenção, o que necessariamente alterou o colorido da imagem inicial. Desde o princípio da década de 80 e até hoje, os brasões não têm leitura adequada, não se conseguindo, em grande parte deles, distinguir ou identificar os respectivos símbolos (com excepção da cruz de Cristo em que, numa ou noutra ocasião especial, o trabalho de topiária foi reposto). Desde que assumi o pelouro do Ambiente, a CML sempre assegurou a limpeza e a preservação do que existe.
3. Há muito que é consensual que a Praça do Império carece de obras de reabilitação e restauro. Em 2015, após polémica sobre o tipo de intervenção a realizar, o executivo da CML, com base numa proposta minha e de Catarina Vaz Pinto, lançou um concurso de ideias que, com inteira liberdade e sem condicionalismos estéticos, permitisse encontrar uma solução que respeitasse o sítio, a memória e a história. Em 2016, o júri, constituído, entre outros, por Simonetta Luz Afonso, museóloga prestigiada internacionalmente, Margarida Cancela de Abreu, então vice-presidente da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, e Ana Silva Dias, arquitecta da CML reputada na salvaguarda do património cultural, aprovou, por unanimidade, atribuir o primeiro lugar ao projeto apresentado pelo Atelier A.C.B. – A. Castel-Branco, tendo salientado “a preocupação com a integração dos elementos históricos”, “a retoma do projecto inicial do arquitecto Cottinelli Telmo” e a valorização dos “brasões em pedra do lago central, através da possibilidade de aproximação ao mesmo”. A CML aprovou o relatório. Em Abril de 2019, a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) elaborou parecer favorável, por entender que “salvaguarda os valores patrimoniais em presença”. Em face disso, foi lançado o respectivo concurso público de empreitada, que veio a ser adjudicada em Agosto de 2020 e contratada em Outubro seguinte.
Uma das autoras do projeto é a arquitecta paisagista Cristina Castel-Branco, com doutoramento em jardins históricos, que, posteriormente, em 2017, foi candidata à presidência da Assembleia Municipal nas listas do CDS.
4. Em suma: i) A Praça do Império padece de reabilitação; ii) Desde os anos 70 que não existe topiária só de flores no local e desde os anos 80 que a topiária com arbustos não permite uma leitura minimamente adequada dos símbolos originais; iii) O projeto aprovado respeita a praça, o jardim e a História, recuperando a concepção inicial de Cottinelli Telmo; iv) A obra não inviabiliza, se assim vier a ser decidido, que, futuramente, se venha a plantar no local outra obra de topiária, seja para representar os brasões ora em causa, seja para outro fim.
5. Respeito quem, divergindo do projeto, tenha a opinião de que os brasões em topiária devem ser repostos no jardim. Mas não posso aceitar ser acusado de preconceito ideológico ou de qualquer espécie de fanatismo ou de submissão a uma cultura de moda, porque defendo o resultado do concurso de ideias de 2016. Só por desconhecimento, demagogia ou má-fé me podem ser atribuídas intenções que não tenho nem nunca tive.
Durante muitos anos, ainda antes de ser vereador da CML, defendi em todo o país o património histórico, classificado ou a classificar (por exemplo, as antas de Reguengos, a ponte romana de Vila Verde, a arriba fóssil da Costa da Caparica ou o Terreiro do Paço). Em Lisboa, tenho o pelouro do Ambiente desde 2007, período no qual foram recuperados quase todos os jardins da cidade e aumentada a sua área verde em cerca de 200 hectares. Tenho promovido a divulgação dos jardins históricos do país. Na cidade empenhei-me na recuperação de espaços históricos de todas as épocas, desde, por exemplo, a Casa dos 24 ao claustro e sala do capítulo do Convento da Graça. Atualmente, estou envolvido no projeto em curso para a reabilitação do Palácio da Independência.
6. É minha convicção que o projeto aprovado é o que melhor defende o património histórico e a memória do local. Porém, fique claro que se, no futuro, os órgãos democráticos de Lisboa decidirem de outro modo e a DGPC assim o aprovar, nada farei para me opor ao que for entendido. Não tenho qualquer interesse pessoal nesta querela, apenas o de servir a minha cidade.
“Da árvore caída todos fazem lenha”, mas agora o importante é mesmo começar o restauro da Praça do Império.