“Passaporte de vacinação”? Alguns países gostam da ideia, mas União Europeia e OMS têm dúvidas
A Suécia, a Dinamarca, a Estónia, o Reino Unido, Israel e a Índia já adoptaram medidas que permitem a circulação entre países a viajantes com certificado de vacinação. Na União Europeia, a questão mantém-se polémica. Por enquanto, os certificados só servem como comprovativos médicos.
O “passaporte de vacinação” é a aplicação do certificado de vacinação à mobilidade, ou seja, é um comprovativo que permite ao portador viajar entre países com maior facilidade, uma vez que garante a sua imunização à covid-19. Aquilo que parece relativamente simples, como um documento de identificação normal, pode na verdade ter vários impeditivos jurídicos e levantar algumas questões éticas. Contudo, alguns países já estão a adoptar a medida. Na União Europeia (UE), ainda gera alguma polémica.
A Dinamarca anunciou esta quarta-feira, 3 de Fevereiro, a implementação de um “passaporte de vacinação”, o equivalente a um passaporte digital que comprova a vacinação da pessoa contra a covid-19, a ser aplicado, por agora, em viagens. Passará a ser, então, o primeiro país a permitir que as pessoas vacinadas voltem a viajar com alguma normalidade, na esperança de também salvar o turismo no Verão de 2021.
“Dentro de três ou quatro meses, um passaporte digital covid-19 vai estar disponível para ser usado, por exemplo, em viagens de negócios”, divulgou o ministro das Finanças dinamarquês, Morten Boedskov, numa conferência de imprensa na quarta-feira. “É absolutamente crucial para nós que seja possível reiniciar a sociedade dinamarquesa, para que as empresas possam voltar ao normal. Muitas são empresas globais com o mundo inteiro como mercado”, justificou.
Por enquanto, e até ao final de Fevereiro, os cidadãos dinamarqueses podem consultar online uma confirmação oficial de vacinação. “Será através deste passaporte extra, disponível no telemóvel, que será possível documentar que foram vacinados”, adiantou Boedskov.
A Suécia segue as pisadas do país vizinho e também se compromete a desenvolver um “passaporte digital de vacinação” até ao Verão. “Quando a Suécia e outros países vizinhos começarem a abrir as sociedades novamente, é muito provável que certificados de vacinação sejam exigidos para viajar, e possivelmente para participar noutras actividades”, disse o ministro da Energia e Desenvolvimento Digital da Suécia, Anders Ygeman, numa conferência de imprensa esta quinta-feira, 4 de Fevereiro.
Também a Estónia anunciou na terça-feira, 2, que não exigirá a quarentena aos viajantes com comprovativo de vacinação contra a covid-19. Contudo, além de ter de estar escrito em estónio, russo ou inglês, o certificado deverá mencionar quando foi feita a vacina, qual vacina foi administrada, quem a emitiu e o número de lote.
Reino Unido está a testar um protótipo
No início de Janeiro, a empresa de biométrica iProof anunciou que o seu protótipo de passaporte de vacinação, criado em conjunto com a empresa de cibersegurança Mvine e com financiamento da Innovate UK, iria começar a ser testado pelos directores de Saúde Pública do Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla inglesa) do Reino Unido. As empresas esperam completar dois testes até 31 de Março.
Este passaporte regista e apresenta o resultado do teste da pessoa à covid-19 ou o seu estado de vacinação, associados a uma fotografia, sem revelar a identidade - o que resolve o problema da protecção de dados nestes passaportes. O protótipo conecta-se com o sistema estrutural do NHS, permitindo que satisfaça determinados requerimentos exigidos pelos directores de Saúde Pública, o que garante que zonas com diferentes níveis de vacinação possam escolher estratégias de circulação apropriadas à região.
Israel avança com um “livrete verde” e a Índia com um QR code
Também Israel anunciou o desenvolvimento de um documento de comprovativo de imunidade à covid-19 em Janeiro, de acordo com a CNBC. O Ministério da Saúde do país pretende distribuir “livretes verdes” a quem já recebeu as duas doses da vacina, permitindo-lhes alguma liberdade em relação às restrições. “O livrete terá efeito nos sete dias seguintes, sem contar o dia de administração da vacina”, anunciou no site o Ministério da Saúde.
Os portadores do livrete não vão necessitar de cumprir isolamento depois de estarem em contacto com uma pessoa infectada ou depois de viagens internacionais para países de risco. Também não vão precisar de fazer um teste antes de entrar em certas áreas turísticas, conhecidas como as “ilhas verdes”. No entanto, as pessoas imunizadas continuam a ter de usar a máscara em público, manter o distanciamento social de dois metros e evitar ajuntamentos.
Segundo o mesmo ministério, as pessoas vacinadas portadoras do livrete serão “elegíveis para restrições mais leves em destinos pelo mundo”. Os dados comprovativos de vacinação serão registados na base de dados do Ministério da Saúde e os doentes recuperados que não tenham sido vacinados não são elegíveis para receber o livrete.
Na Índia pondera-se um passaporte de vacinação que tem por base um QR code, de maneira a facilitar a circulação interna e externa. “Cada indivíduo vacinado deverá preservar o QR code, uma vez que declara que completou a vacinação na Índia", disse Dileep Patil, alto representante de Saúde Pública em Pune, ao jornal The Times of India. O código, associado ao número de telemóvel e a um documento de identificação pessoal, poderá ser usado para mostrar o certificado às autoridades como “uma espécie de passe digital”.
UE ainda tem dúvidas
Em meados de Janeiro, o primeiro-ministro grego, Kyriákos Mitsotákis, propôs a criação de um “passaporte de vacinação” ou de um “certificado de vacinação” que garanta liberdade para viajar na União Europeia, sem cumprir o tradicional período de quarentena à chegada a outro Estado-membro.
Sem compromisso, tanto a presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula Von der Leyen, como o primeiro-ministro português, António Costa, mostraram intenção de estudar a hipótese por se tratar não só de “uma necessidade médica”, como um incentivo à actividade turística. No entanto, é importante que seja debatida, no plano europeu, uma regulamentação de “equilíbrio justo e igualitário”.
Para já, o executivo considera que a emissão de certificados de imunização deverá ser só para fins médicos. A possibilidade de alargar o certificado a todos os viajantes na UE está a ser ponderada, mas implicaria várias questões éticas, nomeadamente a discriminação entre cidadãos europeus no acesso à vacina (até porque a sua administração é voluntária).
“Esse uso futuro deve ser muito bem considerado. Ainda há variantes científicas a considerar e várias questões políticas e jurídicas em aberto”, afirmou Ursula von der Leyen numa reunião da CE por videoconferência. Como notou ao PÚBLICO uma fonte europeia, “essa questão só se tornará premente quando houver uma grande disponibilidade de doses no mercado e a taxa de cobertura da vacinação for muito alargada”.
OMS rejeita “passaportes de vacinação”
A 16 de Janeiro, o Comité de Emergências da Organização Mundial da Saúde (OMS) apelou aos países que não exigissem provas de vacinação contra a covid-19 para a autorização de entrada dos viajantes, “uma vez que ainda se desconhece o impacto das vacinas na redução da transmissão e a disponibilidade actual de vacinas é demasiado limitada”, citou o diário El País.
“Neste momento, pedimos que não se introduzam requisitos de prova de vacinação ou imunidade para as viagens internacionais como uma condição de entrada, uma vez que existem ainda incógnitas significativas sobre a eficácia da vacinação para reduzir a transmissão e uma disponibilidade limitada de vacinas. Estar vacinado não deve isentar os viajantes internacionais de cumprirem outras medidas para reduzir o risco das viagens”, destacou o comité.
Além dos passaportes em discussão, com as suas diversas aplicações e conceitos, está a ser desenvolvida ainda uma app de viagem, a CommonPass, que se compromete a registar o “estado da pessoa em relação à covid-19”, pode ler-se no site, seja através de comprovativos de vacinação, declarações de saúde ou resultados de testes PCR.