Fecho de fronteiras cria “cansaço físico e emocional” aos trabalhadores transfronteiriços do Alto Minho
Autarcas da região portuguesa e da Galiza organizaram “acção reivindicativa” em Valença. Com pontes fechadas, profissionais de saúde que trabalham em Espanha dobram custos de deslocação, passam mais tempo a conduzir e dizem-se desgastados.
Patrícia Silva trabalha num lar de idosos no município galego de A Guarda. Em dias normais, a enfermeira de 34 anos demoraria “pouco mais de 35 minutos de carro” para lá chegar: partindo de Vila Praia de Âncora, onde vive, bastar-lhe-ia passar a Ponte Internacional da Amizade, que liga Vila Nova de Cerveira a Tomiño. Agora, dobrou o tempo de viagem, mas também os quilómetros a percorrer, o combustível a gastar e, sobretudo, o “cansaço físico e emocional”. Com a reposição do controlo das fronteiras, a enfermeira só pode chegar à Galiza através da Ponte Internacional de Valença-Tui. “São mais 35 ou 40 quilómetros. É muito difícil”, conta, ao telefone, ao PÚBLICO. A caminho de mais um dia de trabalho, vai desabafando: “E também não vejo a minha filha de um ano, praticamente. Chego a casa tarde e ela já está a dormir.”
Com o trânsito esperado na ponte, “é provável” que passe 1h30 na estrada. O caso de Patrícia Silva não é o único: naquela região, tanto do lado espanhol como português, há um fluxo de 6000 trabalhadores que passam a fronteira diariamente. Desde o último domingo que apenas podem contar com uma das cinco pontes do Alto Minho estendidas sobre o rio. Há uma outra aberta por curtos períodos e só em dias úteis — a ponte que liga Monção a Salvaterra do Miño, a funcionar das 7h às 9h e das 18h às 20h. A de Vila Nova de Cerveira está encerrada, tal como a de Melgaço (com ligação a Arbo) e a Ponte Eiffel (Valença-Tui). Foi na última que, esta quinta-feira, os presidentes de alguns dos municípios do Alto Minho e da Galiza organizaram, em conjunto, uma “manifestação de desagrado” em relação ao encerramento de alguns pontos de passagem fronteiriça. Os autarcas portugueses ficaram do seu lado da fronteira, tal como os autarcas espanhóis.
Fernando Nogueira, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira e do Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial (AECP), reitera o que já havia dito no primeiro dia do encerramento das pontes: “Estar a obrigar 6000 trabalhadores a passar num único ponto, em Valença, é um absurdo e um disparate. Estamos a potenciar contágios.” O autarca encara a decisão tomada pelo Governo como “um castigo aos trabalhadores”, que enfrentam filas de trânsito antes e depois de um dia de trabalho: “Na segunda-feira tivemos filas de oito ou mais quilómetros. Sei de trabalhadores que estiveram mais de duas horas para passar a fronteira. É um atentado à saúde física e mental dos trabalhadores.”
A “acção reivindicativa” dos autarcas contou com a presença de outras duas enfermeiras de Vila Nova de Cerveira, colegas de trabalho de Patrícia Silva. Em chamada telefónica, Carolina Costa conta que, agora, soma 20 quilómetros ao trajecto realizado de Cerveira (onde vive) a A Guarda: “Normalmente, é uma viagem de 23 quilómetros. Também passava a ponte de Cerveira e estava lá em 25 minutos. Agora, com a ponte encerrada, demoro 50 minutos, no mínimo.” Para além da viagem demorada, a enfermeira de 25 anos lembra que “há um stress acrescido e trabalho aumentado” no lar devido à pandemia.
A opinião é partilhada por Daniela Costa, 26 anos, enfermeira no mesmo lar. “Na quarta-feira, estive a trabalhar e saí às 21h portuguesas [22h espanholas]. Para além do percurso todo, estive quase meia hora na fronteira e cheguei a casa só por volta das 22h30”, conta. Normalmente, essa viagem, com o acesso pela Ponte Internacional da Amizade, ocupar-lhe-ia 20 minutos. As duas enfermeiras acusam, à semelhança de Patrícia Silva, o “desgaste físico e emocional” que o encerramento de acessos evidenciou, para além dos custos associados: “Ao todo, somos nove portugueses desta região a trabalhar naquele lar. Por causa da pandemia, não há boleias. Desgasta-se o carro e há mais custos com o combustível”, conta Carolina Costa.
Lisboa “é muito longe do Norte”
Por outro lado, para os trabalhadores da zona de Monção, há uma ponte aberta com horários limitados — que, para o presidente da AECT, “não servem de nada”. “Há pessoas que trabalham por turnos”, lembra. Fernando Nogueira diz que “ninguém está contra” as medidas do novo estado de emergência: “Não queremos que passem mais pessoas. Na Galiza também estão confinados. Só passa nas pontes quem tem de trabalhar ou quem transporta mercadorias. Por isso, queremos que passe quem está autorizado nas pontes que existem.” Para o também autarca, esta decisão da administração central “foi não aprender” com o que aconteceu no primeiro confinamento geral, em Março de 2020. Na altura, os municípios do Alto Minho e da Galiza também contestaram o encerramento dos acessos que, mais tarde, abriram.
Em igual sentido, o presidente da Confederação Empresarial do Alto Minho (CEVAL), Luís Cela, diz que a tomada de decisão do encerramento de pontos transfronteiriços deveria “atender à proximidade”. “Cada caso tem um tratamento diferente. Este território não tem paralelo com o todo nacional. Mais de 50% das mercadorias provenientes de Espanha para Portugal passam por cá”, justifica. Luís Cela recorda ainda que a limitação nos acessos não afecta apenas os municípios raianos, mas também outros como Ponte de Lima e Ponte da Barca. Por isso, insiste, “estas questões, que são abordadas a nível nacional, têm de manter uma geometria mais ou menos equilibrada em todo o país”.
Carolina Costa tem a mesma opinião: “Acho que foi uma decisão tomada por Lisboa, que é muito longe do Norte. Não fazem ideia da nossa realidade nem do constrangimento que é esta viagem. Depois de uma noite, custa muito.” “Quando saio às 21h portuguesas, chego a casa só uma hora depois. No dia a seguir, a fazer manhã, tenho de me levantar às 4h30”, acrescenta. Daniela Costa tem “alguma esperança de que o Governo fique sensibilizado”: “Que facilitem as coisas a quem trabalha. Já lidamos com a pandemia como enfermeiros desde há quase um ano. Assim, é muito difícil aguentar.” Apesar de tudo, Patrícia Silva garante não deixar de cumprir o seu trabalho: “Poderia ter pedido a baixa para ficar em casa com a minha filha. Mas não posso abandonar o lar e deixar os idosos sem assistência.”
Recorde-se que, em comunicado enviado à agência Lusa, a AECT referiu que as autarquias da região “estão disponíveis para colaborar com a administração central e com as autoridades policiais para encontrar uma alternativa”. No mesmo documento, lê-se que “as autarquias afectadas vão contestar estes encerramentos pelas formas legais ao seu alcance, em interesse superior dos trabalhadores transfronteiriços”.