Angola: ONG confirmam pelo menos dez mortos em “acção maquiavélica” da polícia na Lunda Norte
Familiares de vítimas da repressão policial em Cafunfo dizem que foram roubados 20 corpos de uma casa mortuária, acusando as autoridades de tentarem ocultar o número real de vítimas mortais, cujos números são contraditórios.
A Amnistia Internacional e a OMUNGA afirmaram esta terça-feira que pelo menos dez pessoas morreram na sequência da repressão pela polícia angolana de uma manifestação no sábado passado em Cafunfo, na Lunda Norte. As duas organizações não-governamentais admitem que o número de vítimas mortais possa ser maior, enquanto a polícia angolana apenas admite a morte de seis pessoas.
“Não foram só seis mortos, foram mais. Temos conhecimento de dez mortos e dezenas de feridos, e o número de vítimas pode ser superior”, afirmou ao PÚBLICO João Malavindele, director-executivo da OMUNGA, com sede em Benguela, realçando que após o tiroteio, documentado em vídeo, muitos manifestantes fugiram e estão desaparecidos desde então.
“Esses não estão nas estatísticas. Não sabemos se estão vivos”, acrescentou Malavindele, denunciando o que considera uma “acção maquiavélica” por parte da polícia.
No sábado, 30 de Janeiro, cerca de 300 pessoas, próximas do Movimento do Protectorado Português de Lunda Tchowke (MPPLT), uma organização que se baseia num acordo entre nativos Lunda-Tchokwe e Portugal em 1885 e 1894 para defender a autonomia daquela região do Leste do país, rica em diamantes, saíram às ruas de Cafunfo para exigirem melhores condições de vida, enfrentando a repressão policial.
“As autoridades continuam a perseguir manifestantes pacíficos cujo único ‘crime’ tem sido contestar as condições de vida deploráveis”, afirmou em comunicado Muleya Mwananyanda, directora-adjunta para a África Austral da Amnistia Internacional.
“Se a população se quer manifestar sobre as suas condições vida, os governantes têm de saber ouvir e dialogar com os cidadãos, e não servirem-se da força para os neutralizar”, acrescentou João Malavindele.
As autoridades angolanas, que tinham proibido o protesto, acusam os manifestantes de levarem a cabo uma “rebelião armada” e de tentarem invadir a esquadra da polícia com o objectivo de retirar a bandeira de Angola e substitui-la por uma do MPPLT, que desmente a versão da polícia e garante que as autoridades dispararam indiscriminadamente contra manifestantes desarmados.
Num dos vídeos enviados ao PÚBLICO, vê-se elementos das forças de segurança a arrastar corpos pelo chão até um local onde estão já várias pessoas mortas e feridas. Noutro vídeo, vê-se o momento em que os manifestantes começam a fugir da polícia, ouvindo-se vários tiros, com corpos a ficarem caídos no chão.
O número total de vítimas mortais é contraditório e ainda está a ser apurado, mas o presidente do MPPLT, José Zecamutchima, em entrevista à Deutsche Welle África, fala em pelo menos 25 pessoas mortas, além dos desaparecidos, e denuncia um clima de medo na região.
“As famílias não estão a sair à rua porque continua a caça ao homem, continuam as restrições. Em Cafunfo, há tiroteios minuto a minuto e as pessoas estão com medo de sair as ruas”, afirmou José Zecamutchima.
De acordo com a rádio Voz da América, familiares das vítimas da violência policial reclamam o desaparecimento de 20 corpos de uma casa mortuária, que terão sido retirados na noite de domingo para segunda-feira, e acusam as autoridades de quererem esconder o número verdadeiro de vítimas.
Responsabilização
Bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) e a oposição angolana falam em “massacre”, com os principais partidos políticos a exigirem explicações ao Governo e até demissões.
“Se há alguém que deve ser exonerado é o próprio comandante geral da polícia, o ministro do Interior e o próprio Presidente da República, que é o mandante número um”, afirmou à Deutsche Welle África o deputado Joaquim Nafoa, da UNITA, maior partido da oposição angolana, que enviou uma delegação de deputados para Cafunfo.
Já o deputado Manuel Fernandes, da CASA-CE, terceira maior força política de Angola, composta por vários partidos, defendeu que se deve “urgentemente responsabilizar civil e criminalmente os responsáveis por estas mortes” e criticou o silêncio de João Lourenço sobre o caso.
“O Presidente da República não poderia limitar-se a ouvir indicações da polícia. Neste momento, já deveria vir a terreiro manifestar a sua solidariedade com as famílias das vítimas dos incidentes em Cafunfo”, disse Manuel Fernandes ao Novo Jornal, defendendo a instauração de uma comissão de inquérito independente.
O secretário-geral do Partido de Renovação Social (PRS), Rui Malopa Miguel, citado pelo mesmo jornal angolano, também lamentou o silêncio de João Lourenço: “Manifestar solidariedade às famílias enlutadas é um procedimento normal. Não compreendemos o que se passa, porque este não tem sido o comportamento do chefe de Estado.”