Barragens da EDP: “Se houve planeamento fiscal agressivo”, o Fisco “irá aplicar a lei”

Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não confirma se a EDP deve 110 milhões de euros em imposto de selo pela venda das centrais no Douro, mas garante que a Autoridade Tributária estará atenta e agirá se tiver havido “planeamento abusivo”.

Foto
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes Rui Gaudencio

Os impostos decorrentes da venda de seis barragens da EDP ao consórcio francês liderado pela Engie levaram o Bloco de Esquerda e o PSD a chamar ao Parlamento, nesta segunda-feira, o Ministro do Ambiente e da Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes, e o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes.

No centro das preocupações dos partidos estão as compensações ao Estado e as receitas fiscais devidas pela venda, por 2200 milhões de euros, das barragens de Miranda, Picote, Bemposta, Baixo Sabor, Feiticeiro e Tua, em particular uma verba próxima de 110 milhões de euros, que a EDP poderá dever a título de imposto de selo pelo trespasse das concessões.

As receitas fiscais geradas pelo negócio revertem a favor de um fundo autónomo (criado com o Orçamento do Estado para 2021 por proposta do PSD) que deve ser usado para benefício dos municípios em que se localizam as centrais hidroeléctricas).

Na sua declaração inicial, a deputada Mariana Mortágua defendeu que ao “valor do trespasse da concessão incide imposto de selo à taxa de 5% no momento da venda”. E questionou directamente os governantes sobre se a EDP “pagou ou não” o montante devido, já que o prazo para essa liquidação terminou no dia 20 de Janeiro.

Quis ainda saber se o Governo foi alertado para a possibilidade de a EDP ter procurado evitar o pagamento de impostos com um planeamento fiscal agressivo. E, se foi esse o caso, o que fez em relação a esses avisos.

O argumento que tem sido apresentado para justificar o não pagamento de imposto de selo pelo trespasse das concessões (formalizado no dia 17 de Dezembro) é que o negócio envolveu primeiro uma reestruturação, que foi então seguida da venda de uma empresa autónoma, já com todos os activos das concessões, estando por isso isento.

“Se nesta operação existiu algum planeamento fiscal abusivo ou agressivo, o primeiro interessado em corrigi-lo é a administração fiscal”, afirmou António Mendonça Mendes, assegurando que a Autoridade Tributária (AT) não hesitará em aplicar a cláusula antiabuso que a lei tributária prevê para estas situações. “Se houve planeamento fiscal agressivo, nós temos a cláusula antiabuso”, afirmou. 

As regras antiabuso são medidas defensivas que a autoridade tributária pode accionar perante uma prática fiscal que considere abusiva, para evitar que uma determinada operação ou operações permitam uma vantagem fiscal ao contribuinte.

Mendonça Mendes sublinhou que o imposto de selo é um imposto autodeclarativo, pelo que é o contribuinte que faz a autoliquidação até ao dia 20 dia do mês seguinte (neste caso específico, até 20 de Janeiro), tendo depois a AT o dever de verificar se houve cumprimento. 

A incidência do imposto de selo dependerá da qualificação jurídica do negócio, reconheceu o governante, frisando que “a AT não valida previamente” as operações entre privados, o que faz é responder a pedidos de informação vinculativa ou, na sequência das declarações dos contribuintes, procede a verificações e exige eventuais correcções.

Já o ministro do Ambiente sublinhou que “o Governo cumpre e cumprirá a Lei. Se houver imposto pago ou a pagar, o montante será, com certeza, entregue aos municípios”. Para João Pedro Matos Fernandes, acusá-lo “de isentar a EDP” do pagamento de impostos referentes àquela operação “é não saber nada das coisas”.

Destacando a necessidade de respeitar o sigilo fiscal do contribuinte EDP, Mendonça Mendes não se alongou sobre o caso em particular, mas assegurou aos deputados que todos os contribuintes, quando entregam as suas declarações, estão sujeitos ao escrutínio da AT, e que isso também acontecerá com esta operação.

Falando em termos gerais, o secretário de Estado notou que quando se chega à conclusão de que as construções jurídicas dos actos ou negócios têm como finalidade “obter uma vantagem”, como o não-pagamento ou redução do montante de imposto a pagar, assentando em pressupostos ilegítimos ou inválidos, “aplica-se a cláusula antiabuso”, que eliminará a vantagem, salientou.

“Não tenham dúvidas, as preocupações dos senhores deputados são as preocupações do Governo”, que é a de que a arrecadação da receita fiscal “seja feita de forma justa e que todos os contribuintes, grandes ou pequenos, paguem aquilo que devem pagar”.

As situações ilegítimas “devem e podem ser corrigidas, vamos deixar o tempo correr”, disse ainda o secretário de Estado, explicando que “não abrir de imediato uma inspecção” não significa que os casos estejam a ser descurados. “A AT, neste como noutros casos, irá aplicar a lei”, mas só deve abrir inspecções “quando estiverem reunidos todos os elementos”, porque estes procedimentos estão sujeitos a prazos de caducidade.

Mariana Mortágua frisou que “a obrigação de pagar [o imposto de selo] nasce na data da venda, não nasce no mês seguinte”. “A não ser que o Governo diga que a EDP pagou, tudo indica que não pagou”, insistiu a deputada.

Relativamente à configuração jurídica do negócio, a parlamentar sustentou que, “se o Governo tivesse escrutinado o contrato [de venda], teria impedido uma configuração jurídica que pudesse impedir o pagamento do imposto”. Adiantou que “o Estado tem muita dificuldade em aplicar a cláusula antiabuso” e lembrou que estes casos acabam por ter de ser discutidos em tribunal “com os advogados da EDP”, em processos muito complexos.

Além disso, sobre o não pagamento de IMT decorrente da venda, considerou que a interpretação do Governo “é duvidosa”.

Mendonça Mendes explicou que o IMT é devido quando está em causa a transmissão de prédios e que a jurisprudência indica que as barragens não se qualificam como prédios para efeitos tributários, porque têm estatuto de utilidade pública. Mas a explicação não convenceu a deputada do Bloco de Esquerda: Os “bens estão na propriedade e balanços dos concessionários” e só voltam para o domínio público no fim das concessões, “mesmo havendo jurisprudência, a interpretação é duvidosa”, salientou Mortágua, dizendo que cabe ao Estado clarificar e defender o interesse público. com Pedro Crisóstomo

Sugerir correcção
Ler 1 comentários