Treze princípios para motivar as pessoas a cumprirem as restrições da covid-19
Estas orientações podem ser usadas por políticos ou outras pessoas que precisem de comunicar restrições na sua cidade ou empresa. São um contributo para uma comunicação eficaz neste momento de crise.
Estamos num momento determinante no combate à pandemia de covid-19. Todos os cuidados devem ser tomados e a acção de cada um (por mais pequena que seja) pode fazer a diferença. Mas, neste esforço individual (ou colectivo) e já com uma certa fadiga devido à duração da pandemia, nem sempre é fácil ter motivação. Como se pode então motivar as pessoas a cumprirem as restrições? Uma equipa de cientistas sugere um conjunto de 13 princípios que podem ajudar decisores políticos e especialistas a incentivar os cidadãos a seguirem as medidas de controlo.
Publicados num artigo na revista científica European Review of Social Psychology, estes 13 princípios de comunicação foram criados para encorajar ao cumprimento voluntário das medidas numa crise como a da covid-19. O artigo é assinado por quatro investigadores: Frank Martela (da Universidade de Aalto, na Finlândia), Nelli Hankonen (da Universidade de Helsínquia, na Finlândia), Richard M. Ryan (da Universidade Católica Australiana) e Maarten Vansteenkiste (da Universidade de Gent, na Bélgica).
Estes princípios baseiam-se na teoria da autodeterminação. “Esta teoria tem sido muito testada e com resultados muito positivos”, considera Marta Moreira Marques, investigadora do Trinity College de Dublin, na Irlanda. A cientista não faz parte do estudo, mas esteve envolvida na criação de técnicas da teoria. “Do ponto de vista do aumento da motivação das pessoas, há um aspecto importante que esta teoria defende: não estamos apenas a falar de aumentar a motivação, mas também de ajudar as pessoas a terem uma motivação mais autónoma”, explica. Isto é, as próprias pessoas é que devem sentir necessidade do impacto e aspectos positivos ao aderirem a determinados comportamentos.
Os princípios dividem-se precisamente em três necessidades psicológicas básicas humanas: a autonomia, a competência e o relacionamento positivo. “Conseguimos ter estratégias de comunicação que dão à pessoa um papel fundamental na mudança, que não usam linguagem controladora, apelam à identidade comum e que são objectivos superiores da vida das pessoas”, nota Marta Moreira Marques.
Estas orientações podem ser usadas por políticos ou outras pessoas que precisem de comunicar restrições na sua cidade ou empresa, nota Frank Martela ao PÚBLICO. O investigador refere que diferentes países têm tido pontos fortes e fracos na sua forma de comunicar na pandemia. “Esta lista pode ajudá-los a identificar áreas em que podem melhorar para aumentar a motivação das pessoas”, afirma. Contudo, alerta que estes princípios “não são uma panaceia”. “Os governos têm mesmo de mostrar que as suas acções são de confiança.” E há algo muito importante de que os governantes não se devem esquecer: o respeito pelos cidadãos como decisores individuais que precisam de ter razões concretas para as medidas tomadas.
Numa avaliação à comunicação da pandemia, Marta Moreira Marques refere que há elementos de comunicação que podem ser melhorados, de acordo com a sua investigação na área da ciência comportamental. Um dos aspectos cruciais é que as mensagens devem ser consistentes e descritas de uma forma que possam ser facilmente traduzidas em acções. Depois, quando há alterações nas medidas, têm de existir recomendações para o que mudou e qual o motivo da mudança. Também é importante ter mensagens para grupos populacionais distintos. A comunicação também tem de ser feita antes de existirem rumores do que serão as decisões políticas.
Marta Moreira Marques relembra que se deve motivar as pessoas a quererem seguir as restrições e a considerar que são úteis para elas. “Ter a tónica no comportamento individual é muito importante – porque estamos a falar de comportamentos individuais [como o uso de máscara] –, mas ao salientarmos a responsabilidade individual temos de ter cuidado para não levar à culpabilização ou algumas mensagens de maior medo do que pode acontecer se não se cumprirem [as regras] nem pôr a ênfase na punição”, esclarece, acrescentando que a ameaça e a punição são poucos eficazes a nível comportamental. Já as mensagens expositivas de como se pode aderir a certos comportamentos e onde isso levará, bem como de quais são os benefícios para a comunidade, são elementos-chave para aumentar a motivação das pessoas.
Entre os aspectos bons da comunicação, Samuel Lins (investigador da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto) refere que em Portugal não se fica muito tempo sem se dar informação às pessoas, e isso é benéfico. Quanto às falhas, indica que, às vezes, há demasiada comunicação. “Quando há várias informações e, por vezes, são incoerentes e não são claras o suficiente, em vez de trazer confiança, isso pode trazer mais insegurança e incerteza”, considera. Dessa forma, as normas podem não ser cumpridas ou não ser credíveis.
Por isso, aconselha que, para que as pessoas cumpram as restrições, deve ser transmitida confiança nas autoridades. Quanto maior confiança houver, maior poderá ser a adesão das pessoas, diz com base em estudos em vários países. Depois, as regras deverão ser claras e equitativas. Também deve dar-se destaque à responsabilidade individual. “Quanto mais distante fica o sentido de responsabilidade, menos as pessoas tendem a sentir-se responsáveis.” Como conselho final, indica que as pessoas devem sentir que o que fazem hoje pode ter efeito daqui a 15 dias, como o reflexo no número de casos. “Pensar que a minha acção pode ter um efeito rápido na vida de alguém pode ser útil na comunicação.”
Vejamos agora quais são os 13 princípios para uma comunicação mais eficaz na pandemia.
Explicar as razões que fundamentam as regras
Explique sempre as razões que alicerçam as várias recomendações ou regras. Para isso, terá de se esclarecer quais são as razões baseadas nas provas que fundamentam essas regras. Suponhamos que se está a recomendar o distanciamento físico. Nesse caso, terá de se referir o que se evita com esse distanciamento e o que se ganha em adoptá-lo. Também se terá de esclarecer os mecanismos por trás, como a razão pela qual essa regra terá efeito.
Tratar as pessoas como agentes activos e responsáveis
Trate as pessoas como agentes activos que podem tomar decisões responsáveis e informadas. Neste princípio, pede-se que se enfatize que as escolhas dos indivíduos fazem a diferença. Como se pode fazer isto? Indicando-se que a prevenção do vírus depende das escolhas e das contribuições que se fazem como indivíduos, exigindo-se que cada um assuma a responsabilidade de fazer a sua parte. Também se pode apelar à responsabilidade e mostrar vontade genuína em confiar nas pessoas.
Usar uma linguagem informativa e não controladora
Use uma linguagem informativa, sem julgamentos, e transmita liberdade de escolha e colaboração. Terá de se evitar uma linguagem que possa induzir a pressão e a culpa. Para isso, tem de se evitar frases controladoras e indutoras de culpa que possam levar a uma atitude desafiante ou de resistência. Por exemplo, a expressão “você deve”. Pelo contrário, tem de se mostrar respeito ao apelar aos valores e sentido de responsabilidade dos indivíduos. As expressões aconselhadas são: “Temos a oportunidade” ou “agora podemos”.
Apelar a aspirações, objectivos e valores pessoais
Apoie comportamentos desejados ao relacioná-los com o que é mesmo importante para a pessoa. Para isso, destaque o valor de proteger todas as pessoas, sobretudo os grupos mais vulneráveis. “Todos conhecem e se preocupam com alguém que é mais vulnerável”, lê-se no exemplo prático deste princípio.
Na medida do possível, dar possibilidade de escolha em como aderir às regras
Mesmo tendo em conta as restrições necessárias, permita que as pessoas possam escolher (sempre que possível) e decidir a sua forma de adesão. Exemplo: tem de se ser claro sobre quais são os tipos de actividades ao ar livre que podem ser feitas em segurança e como as pessoas podem escolhê-las livremente entre elas. Mas também se pode encorajar o contacto social virtual e mostrar diferentes alternativas sobre como seguir as restrições.
Dar instruções concretas, expectativas claras e objectivos colectivos
Ofereça às pessoas orientações sobre o comportamento que é necessário ter ou alterar, bem como instruções concretas de como esse comportamento e objectivos específicos podem ser alcançados. Dessa forma, terá de se fornecer instruções exactas para diferentes situações, como, quando e de que forma se tem de praticar a higiene das mãos. “Formule objectivos colectivos com parâmetros críticos claros que são constantemente seguidos”, recomenda-se.
Dar feedback construtivo sobre o sucesso na adopção das regras
Deve fornecer-se feedback relevante, personalizado e oportuno sobre o desempenho e o progresso do esforço das pessoas. Na prática, tem de se comunicar estatísticas sobre o sucesso das medidas de distanciamento social e de como as medidas têm ajudado a achatar a curva em relação às infecções ou na diminuição do número dos doentes nas unidades de cuidados intensivos.
Abordar os principais obstáculos para a mudança
Identifique quais são as barreiras mais prováveis à mudança de comportamentos e dê instruções sobre como as superar. Como o fazer? Promovendo o uso de máscara ou financiando máscaras para pessoas com dificuldades financeiras. Já em relação à higiene das mãos, podem usar-se lembretes em locais e momentos adequados para relembrar quando devem ser lavadas.
Reconhecer perspectivas, sentimentos e potenciais conflitos
Demonstre empatia ao reconhecer a possibilidade de surgirem barreiras e dificuldades na adopção de comportamentos. Para isso, reconheça claramente os sentimentos das pessoas e as suas dificuldades económicas, a solidão e os sacrifícios que muitas delas estão a aceitar como efeitos colaterais à adesão das medidas.
Enfatizar e facilitar a identidade partilhada e os objectivos comuns
Construa um sentimento de identidade partilhada e de comunidade entre as pessoas afectadas pela crise. “Enfatize como estamos todos juntos neste combate à pandemia”, nota-se. As pessoas devem ser relembradas de que a crise afecta cada um de várias formas. Podem partilhar-se histórias inspiradoras que mostrem como as pessoas se podem ajudar.
Criar confiança através de uma comunicação transparente e aberta
Comunique ao público-alvo o que se sabe (e o que não se sabe) de forma oportuna e transparente. Para isso, seja transparente sobre os riscos e as incertezas do conhecimento actual. Por exemplo, pode-se publicar modelos, estimativas e as hipóteses sobre as quais o Governo está a construir a sua estratégia.
Identificar pessoas que possam transmitir as regras a vários grupos
Mobilize pessoas que possam legitimar as recomendações e as possam transmitir de forma credível a diferentes grupos e comunidades. Podem usar-se profissionais de saúde para comunicar recomendações de saúde em vez dos políticos. Para os diferentes subgrupos, tente identificar pessoas credíveis dentro dessa comunidade para actuarem como mensageiros.
Apelar à vontade inerente das pessoas para se entreajudarem
“A vontade de ajudar o outro pode ser uma motivação poderosa”, lê-se no princípio. Apele a esse sentimento de entreajuda. Assim sendo, pode enfatizar como se podem ajudar outras pessoas, sobretudo grupos de risco, até por medidas simples, como ficar em casa.