Missas: “Manter abertos estes espaços, que são importantes para as pessoas, tem que ver com aprendizagem”

Celebrações litúrgicas, no Porto e em Lisboa, mantêm-se com respeito por regras da Direcção-Geral da Saúde – higienização das mãos à entrada, uso obrigatório da máscara, distância entre participantes.

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Visão área da igreja Nelson Garrido
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Missa em Lisboa rui gaudencio

Sozinhos, aos pares ou em família, alguns fiéis iam subindo a escadaria e entrando na igreja do Santíssimo Sacramento, no Porto. Como acontece há muitos domingos, havia quatro mulheres à porta a garantir que todos desinfectavam as mãos e se sentavam nos lugares marcados, mantendo a devida distância.

Conferência Episcopal Portuguesa decidiu manter a presença de fiéis nas celebrações litúrgicas, dentro das orientações emitidas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) – higienização das mãos à entrada, uso obrigatório da máscara, distância entre participantes. Só os baptismos, os crismas e os casamentos têm de ser adiados.

Com a pandemia, o cónego Joaquim Santos observa "uma diminuição de pessoas, mas não muito acentuada”. Ficam em casa os que correm maior risco de sofrer com a covid-19, com muita idade ou diagnóstico de doença oncológica, cardíaca ou respiratória.

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Várias mulheres, à porta, fazem acolhimento de fiéis com desinfectante de mãos. Nelson Garrido

Ao domingo, naquele edifício construído há perto de cem anos, há eucaristia às 9h, às 10h30, às 12h e às 19h. Os fiéis distribuem-se ao longo do dia, conforme a sua conveniência. Nos últimos meses, com os fins-de-semana de recolher obrigatório a partir das 13h, suprimiu-se a das 19h de sábado e domingo e aí, sim, a afluência “tornou-se um bocadinho difícil de gerir”. Alguns ficavam à porta. Outros contornavam o edifício e juntavam-se à comunidade do Caminho Neocatecumenal, que passou a sua missa das 19h para as 10h30, no salão paroquial.

A maior preocupação de Vincenza Giosafatte, um dos rostos do acolhimento, é acomodar as famílias. Uma pessoa sozinha ou um casal senta-se num lugar marcado e é garantido que ninguém se senta imediatamente atrás, à frente ou ao lado. Sendo uma família, podem ter de ficar vazios o banco da frente e o de trás. Melhor encaminhar para as capelas laterais ou para o coro.

O que leva cada uma destas pessoas a sair das suas casas no meio de uma pandemia, com contágios diários acima dos dez mil? “É essencialmente uma questão de fé”, resumia Helena Brito e Faro. “Falando por mim, mas também pelo meu marido e pelos meus filhos, sentimos mesmo que Nosso Senhor está presente.”

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Ultrapassada a porta da igreja Nelson Garrido

A advogada tem seis filhos. E com ela só estavam alguns. O marido viria a outra missa com os outros filhos. “Temos de nos revezar”, justificava. “Temos um filho muito pequenino e ele, às vezes, causa alguma turbulência.”

Assistir através de um computador ou de um televisor não é a mesma coisa, atestava um casal, que se identificou simplesmente como Fernando e Maria do Rosário. “Assistir na televisão é bom quando não podemos vir cá, mas [a missa] não está completa”, esclarecia a mulher. “Falta a sagrada comunhão.”

O cónego tem ouvido fazer comparações com os teatros, forçados a fechar. “Acho compreensível a comparação”, começa por admitir. “Do ponto de vista da fé, não há semelhança, não é comparável. Do ponto de vista humano, acho que são espaços humanizadores. Penso que as pessoas vêem semelhanças na configuração do espaço e é nesse sentido que compreendo a comparação.”

Poderá parecer um contra-senso a Conferencia Episcopal ter suspendido a celebração pública de missas na primeira vaga e ter decidido mantê-las agora, que o número de infectados com covid-19 é muitíssimo mais elevado. Não é essa, porém, a opinião de Joaquim Santos. “Creio que estamos noutro ponto”, sublinha. “A situação actual em Março seria caótica. As pessoas não estavam habituadas a desinfectar as mãos, a usar máscara, a manter distância”, salienta. “A possibilidade de manter abertos estes espaços, que são importantes para as pessoas, tem que ver com essa aprendizagem. Neste momento, as pessoas já estão acostumadas. Foi preciso este tempo.”

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Vista lateral dos fiéis durante a celebração da missa Nelson Garrido

Fazendo uma ronda por várias igrejas do concelho do Porto este domingo, não se vislumbrava qualquer anomalia. Os fiéis aproximavam-se em passo lento ou já a passo largo, conforme a hora. Desinfectavam as mãos à porta e iam sentar-se no lugar indicado e dispunham-se a participar, de forma mais activa ou mais passiva, na celebração.

Lendo as notícias que chegam de várias partes do país, todavia, dá-se por algumas pequenas alterações. As paróquias de Castelo Branco decidiram suspender as missas durante a semana, noticia o jornal Reconquista. Em Melgaço, as missas foram suspensas nalgumas paróquias – as que têm mais casos activos de covid-19, noticia a Rádio Vale do Minho. O santuário de Fátima suprimiu algumas missas, anunciando que privilegiará os canais online, noticia o Jornal de Leiria.  

Lisboa: “Alguns fieis ainda não regressaram”

É domingo, são quase 11 horas e a escadaria da Igreja de São João de Brito, em Alvalade, Lisboa, começa a encher-se de pessoas. Vão entrando uma a uma, vão de máscara e à entrada cumpre-se um ritual: no lado esquerdo, na parede, está um dispensador de gel desinfectante.

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Igreja de portas abertas em Lisboa Rui Gaudêncio/PÚBLICO

Lá dentro as famílias sentam-se juntas, já os restantes, os que vão sozinhos, sentam-se cada um na ponta de um banco. Não há sinalização, nem nos bancos ou no chão. As pessoas simplesmente sabem que têm de cumprir um distanciamento.

Esta é a terceira missa do dia, a das 11 horas, já houve uma às 8 e outra às 9h30. Haverá mais uma às 12 horas e depois a última será às 19. “Tivemos de nos adaptar e temos mais celebrações para evitar os ajuntamentos”, explica ao PÚBLICO, o padre João Valente, prior da Paróquia de São João de Brito.

A pandemia veio mudar muita coisa. Instalou-se o receio, a preocupação e a paróquia foi chamada a intervir mais na comunidade. Porque houve mais procura de apoio domiciliário e do banco alimentar. E o isolamento aumentou a solidão dos mais velhos. “É uma freguesia de gente mais idosa”, sublinha o prior, acrescentando que a igreja é para esta pessoas” uma referência, que esteve sempre aberta como espaço de acolhimento e de conforto”.

Mas João Valente reconhece que o vírus lhe roubou fiéis, pelo menos presenciais. Com a proibição das celebrações no primeiro confinamento há quem deixasse de ir. “Alguns fiéis ainda não regressaram”, desabafa o padre, que reconhece que há menos pessoas nas celebrações.

E se nas primeiras duas missas do dia não estiveram mais de 50 pessoas, a das 11 horas superou as 100, tal como testemunhou o PÚBLICO. Até depois das 11h30 os fieis continuavam a chegar. Já o sermão do padre João Valente ia a meio, silenciosos, pé ante pé, procuram um lugar para se sentar, distante do vizinho do lado.

Esse silêncio era apenas interrompido pelas crianças que, como é próprio da idade, irrequietas, querem correr nos espaçosos corredores da igreja, obrigando os pais a saltarem também atrás delas, ou a saírem porta fora de supetão perante uma iminente birra. É uma freguesia de gente idosa, disse o padre, mas nesta missa havia muitos jovens e famílias com dois, três, quatro ou mais filhos. E muitos bebés de colo também.

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Fiéis acompanham a missa separados uns pelos outros Rui Gaudêncio/PÚBLICO

“A igreja é um espaço para todos, e por exemplo, a catequese é um lugar onde os jovens vêem buscar o convívio e encontrar amizades”, explica a catequista Catarina Damasceno, acrescentado que também notou mudanças nos jovens que acompanha.

“A pandemia está a privá-los de muita coisa. Estão mais tristes”, afirmou, sublinhando que a forma de dar catequese teve de se adaptar.

Dividem-se em dois grupos e vão para os jardins. Este domingo, por exemplo, apesar do frio que se fez sentir pela manhã, aproveitaram o sol e deram um passeio, antes da missa. A catequese foi dada ao ar livre.

A igreja é assim um espaço de encontro, para jovens e mais velhos, mesmo que mantendo a distância obrigatória, muitos são os que continuam a procurar o conforto emocional que ela proporciona.

Maria, de 82 anos, não pertence a esta paróquia, mas ouviu, na rádio, que a igreja era espaçosa e assim finta o receio do “bicho”, como se refere à covid-19, e sempre que as dores não atrapalham, aos domingos, desloca-se da zona onde reside, no Lumiar, para Alvalade. “Aqui não tenho medo, já viu o tamanho desta igreja? Eu podia ouvir na rádio. Sabe? A rádio transmite a missa. Mas sempre dou um passeio. Faz-me falta sair”, explicou, para a seguir sublinhar: “E finto o confinamento. (Riso) Quer dizer podemos sair para vir à missa não é?”.

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