Situação nos cuidados de saúde é “absolutamente insustentável”, alertam médicos de saúde pública

Para o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, “não é surpreendente que haja pressão” sobre os hospitais. “O que acontece é que estamos a atingir um nível insustentável e isso tem muito que ver com aquilo que foi acontecendo”, afirmou.

Foto
Hospital de Santa Maria é um dos que têm estado sob maior pressão Rui Gaudêncio

O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, considera “absolutamente insustentável” a situação vivida actualmente em Portugal na prestação de cuidados de saúde no âmbito da pandemia da covid-19.

“É absolutamente insustentável o que se está a passar na prestação de cuidados, é uma situação dramática. Acho que é essa a descrição possível”, afirmou o médico em declarações à agência Lusa, lembrando que, “infelizmente, os alertas dos hospitais e de todos os envolvidos não são de agora, [já vêm] até [de] antes do Natal”.

No dia em que Portugal contabilizou dois novos máximos diários relacionados com a pandemia de covid-19 - 166 mortes e 10.947 novos casos de infecção pelo novo coronavírus, em 24 horas - alguns hospitais alertaram que estão em ruptura.

O Hospital Garcia de Orta (HGO), em Almada, apresentava este sábado um total de 169 doentes com covid-19 internados, dos quais 18 em cuidados intensivos, com a unidade hospitalar a admitir um “cenário de pré-catástrofe”, caso a situação se mantenha. O director do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), Daniel Ferro, disse que o hospital de Santa Maria está em “sobre esforço” e que a adaptação aos picos de atendimento “tem limites”, estando a trabalhar além da capacidade instalada.

Para o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, “não é surpreendente que haja de facto pressão”. “O que acontece é que estamos a atingir um nível insustentável e isso tem muito que ver com aquilo que foi acontecendo”, afirmou.

“Sensação de que estava tudo resolvido”

Embora o país esteja no início de um novo confinamento, “a realidade é que na prática, olhando para a rua e vendo o que se vai passando, há de facto uma grande mobilização das pessoas na rua” e “acaba por ser difícil combater a pandemia com esta situação”, considerou. “Eu espero que apesar disso possa haver uma redução [nos números], mas vai demorar que isso se venha a verificar, na medida em que sabemos que estas infecções que estão a surgir agora são infecções que se calhar aconteceram há uma semana”, disse.

Para Ricardo Mexia, esta pressão “enorme nos serviços” de saúde “tem que ver com aquele volume de novos casos que houve já no início do ano” e esta pressão ainda se vai manter durante alguns dias. “Temo que a mortalidade se vá agravar ainda”, referiu também.

O médico alerta que “toda a gente avisou que era importante não ter criado aqui uma sensação de que estava tudo resolvido, e, portanto, as pessoas acabaram por ter muito mais contactos no Natal e na passagem de ano”. Além disso, “era importante ter reforçado os meios em tempo útil para quando eles fossem necessários estarem já aptos a trabalhar, portanto era importante ter planeado esta resposta”. “E agora, cá estamos a correr atrás do prejuízo, só que é um prejuízo elevado e com muita dificuldade em o conter, é uma situação evitável e agora vamos ter rapidamente que conseguir empurrar estes números para baixo”, considerou.

O médico considera que “mais até do que as questões restritivas, que podem ter o seu papel, o reforço dos meios, a melhoria na comunicação e a clareza com que se dizem as coisas, isso seguramente pode melhorar”. “Já devia ter melhorado antes, mas ainda vamos a tempo também de corrigir isso, por forma a que consigamos ser mais assertivos e mais claros, para tentar empurrar esta situação para baixo, no sentido de conseguirmos ter maior sustentabilidade naquilo que é a nossa resposta, mas de facto vão ser semanas difíceis”, afirmou.

Em Portugal, morreram 8543 pessoas dos 528.469 casos de infecção pelo SARS-CoV-2 confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direcção-Geral da Saúde, divulgado este sábado.