Rádios contestam alteração das quotas de difusão da música portuguesa
Os dois maiores grupos de rádio em Portugal, Media Capital Rádios e Renascença, contestam a alteração das quotas de difusão da música portuguesa para 30% e revelam surpresa pela Ministra da Cultura ter falado num processo de “diálogo com a rádio”, quando assumem que o que existiu foi imposição.
O grupo Media Capital Rádios e o grupo Renascença, os dois maiores grupos de rádio privada em Portugal, dizem-se surpreendidos e contestam as medidas comunicadas na última quinta-feira pela ministra da cultura Graça Fonseca, que alteram as quotas de difusão da música portuguesa para 30%.
“A nossa atitude ao longo de todo o processo foi de colaboração. Tivemos um diálogo aberto. Estivemos em conversações até Dezembro com o Secretário de Estado [do Cinema, Audiovisual e Media] Nuno Artur Silva, que foi receptivo ao diálogo e a propostas e, no próprio dia da comunicação da ministra, ligou-nos a dizer o que iria ser veiculado”, afirma o líder da Media Capital Rádios, Salvador Bourbon Ribeiro, mostrando surpresa pelo culminar do processo, embora com esperança que possa vir a ser revertido. “É importante que o Governo perceba as consequências que isto pode ter para o enfraquecimento do sector rádio e espero que exista recuo.”
Enquanto as associações representativas dos produtores musicais (Associação Fonográfica Portuguesa e Audiogest) se congratularam esta sexta-feira com o aumento das quotas, a Associação Portuguesa de Radiodifusão mostrou-se contrária à medida. Os primeiros recordaram o contexto actual de crise devido à pandemia, e o facto de há mais de uma década a quota de música portuguesa não ser fixada anualmente, como a lei determina (estava antes nos 25%), enquanto os segundos argumentam que não será assim que se ajudará os músicos portugueses ou as rádios.
O director-geral da Audiogest, Miguel Carretas, lembra que a implementação de quotas, em 2006, manteve-se ao longo dos anos no valor mínimo legalmente previsto, de 25%, sendo que a lei permite um limite máximo de 40%, “pelo que saímos das reuniões com a sensação de que a fixação poderia até ser mais elevada do que foi”, afirma. Quanto ao argumento das rádios de perda de audiências e receitas por causa da passagem de música portuguesa, Miguel Carretas rebate-as. “A perda de audiências e de receitas não se verificaram”, sustenta. “Historicamente essa é a realidade. Desde que as quotas da música portuguesa foram implementadas a Indústria Fonográfica perdeu e muito, mas as receitas da rádio subiram de forma, mais ou menos, consistente, com ligeiras quebras, ao longo dos anos”, reflecte. “Entre 2005 e 2017 as rádios passaram de 170 milhões para 260 milhões, segundo o [Observatório da Comunicação] OberCom, o que equivale a um crescimento de 29%. E o crescimento tem sido sustentado. E se analisarmos uma sequência de 17 anos das audiências totais da rádio percebemos que atingiram um máximo histórico em 2019.”
Já Salvador Bourbon Ribeiro sustenta que “se existe um objectivo comum que é o de defender os artistas e a música portuguesa, entendemos que só o conseguiremos fazer, como até aqui, com rádios fortes, sem limitações de programação. Ora, as quotas só vêm enfraquecer o meio rádio”, sublinha Salvador Bourbon Ribeiro, acrescentando que o “grande combate” das rádios é hoje feito em “relação às plataformas internacionais de streaming que não têm qualquer limitação de programação. Nesse sentido, o que propusemos ao Governo foram formas mais criativas de continuar a dar visibilidade à música portuguesa.”
Alternativas?
Segundo Salvador Bourbon Ribeiro foram endereçadas hipóteses alternativas ao Governo por parte das rádios, embora opte por não as especificar. “Eram possibilidades de programação, da iniciativa das rádios, enquadradas naquilo que é a sua estratégia e liberdade de programação, que constituíam alternativa a estas medidas condicionantes, numa altura em que as rádios também têm tido quebras de receitas publicitárias.”
Numa carta endereçada, esta sexta-feira, à Ministra da Cultura, a que o PÚBLICO teve acesso, e onde são contestadas as medidas anunciadas, os grupos Media Capital Rádios e Renascença dizem ter havido reuniões construtivas com o Secretário de Estado Nuno Artur Silva, mas mostram surpresa por Graça Fonseca ter falado em “diálogo com as rádios”, quando na sua visão o que existiu foi o cessar do mesmo. “Para que todo este processo se chamasse diálogo seria preciso haver compromissos e consensos e não imposições em cima da hora”, lê-se.
Na mesma missiva é mencionado que o sector da rádio, até Novembro do ano passado, perdeu 30% das receitas publicitárias, ou que em Março e Abril do ano passado a quebra de receitas foi na ordem dos 70%, sendo a imposição de quotas definida como anacrónica: “Impor quotas de música na rádio é uma medida política do século passado que não tem em conta o mundo digital das plataformas de música internacionais, livres de quotas e de imposições que limitam a sua liberdade de programar”, pode ler-se.